Cana Verde e livre do fogo
09-11-2017

Com sistema anti-incêndio instalado no Triângulo Mineiro, Canacampo e Usina Santo Ângelo asseguram monitoramento inteligente, evitando danos à natureza e aumentando a segurança nas cidades e rodovias

Luciana Morais e Fernanda Mann (fotos) (*) De Campo Florido e Pirajuba/MG -

Nos canaviais de Campo Florido e Pirajuba, no Triângulo Mineiro, também brotam inovação e responsabilidade socioambiental. Líder na produção estadual de cana--de-açúcar e berço de 21 das 34 usinas sucroenergéticas de Minas Gerais, a região segue avançando e atenta à importância de investir em ações centradas no tripé da sustentabilidade.

Um exemplo desse comprometimento é a instalação, em agosto, de um sistema inédito de monitoramento de incêndios na região, ferramenta que se traduz em benefícios e mais segurança tanto para a população vizinha quanto para o meio ambiente e os empresários do setor.

A iniciativa, fruto de uma parceria entre a Associação dos Fornecedores de Cana da Região de Campo Florido (Canacampo) e a Usina Santo Ângelo, totaliza investimentos de mais de R$ 1,1 milhão e foi instalada no lugar certo e na hora certa.

De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), este foi o agosto mais crítico dos últimos seis anos, com mais de duas mil ocorrências de incêndio em Minas. A região com maior número de focos, ao longo do ano, é exatamente a do Triângulo, seguida do Noroeste, Sul e Centro-Norte.

O sistema monitora uma área de 100 mil hectares, o equivalente a três Belo Horizonte juntas. São 70 mil hectares plantados exclusivamente com cana e o restante ocupado por outras culturas, como milho e laranja, além de áreas de reserva natural e pastagens.

Com tecnologia desenvolvida pela empresa Sintecsys, o sistema conta com seis câmeras de última geração da Bosch, instaladas em torres estrategicamente posicionadas no campo e dotadas de zoom com raio de alcance de até 15 km. Além de gerar imagens de alta qualidade e em tempo real, elas detectam automaticamente os focos de fumaça, ajudando a reduzir o tempo médio de combate a incêndios.

 

Perigosa combinação

O funcionamento da nova ferramenta é totalmente integrado. Com base no georreferenciamento das áreas plantadas e graças à precisão das câmeras, técnicos da Central de Controle – que funciona 24 horas, na sede da Canacampo, em Campo Florido – obtêm informações exatas sobre cada coordenada geográfica e, ao menor indício de fogo, acionam as brigadas de combate, que ficam a postos em diferentes pontos da região, equipadas com caminhões-pipa.

“Como sabemos, o tempo de resposta ao fogo em sua fase inicial é decisivo para o sucesso de qualquer operação antiincêndio e crucial para evitar que as chamas se alastrem. Portanto, os benefícios de cunho social, ambiental e econômico dessa nova ferramenta de monitoramento que implantamos aqui são enormes”, pondera o presidente da Canacampo, Marcos Brunozzi.

A começar pelo bem-estar e segurança nas cidades, rodovias e estradas vizinhas aos canaviais. Em especial nesta temporada do ano, quando a perigosa combinação de tempo seco, vento e fogo costuma provocar graves acidentes, além de colocar em risco a vida e o patrimônio de moradores e produtores das comunidades, fazendas e usinas da região.

Do ponto de vista da preservação ambiental não é diferente. “O fogo não respeita nada. Além de causar danos imensuráveis à biodiversidade – como a morte de animais e a destruição de matas ciliares e vegetação de veredas –, ele acarreta grandes perdas de produtividade e compromete toda a nossa logística, porque queima áreas colhidas onde a cana já brotou, a cana que ainda não está pronta para ser colhida e a plantada recentemente.”

Quando as chamas atingem talhões (áreas de plantio) onde a cana já emitiu o colmo (broto), por exemplo, é preciso roçar toda a lavoura e reiniciar o ciclo produtivo da estaca zero. “Isso sem contar o prejuízo com a perda do investimento feito na aplicação de adubos, herbicidas e maturadores, que contribuem para que tenhamos uma cana de melhor qualidade e mais rentável”, pondera Brunozzi.

 

Nova imagem

Produtor experiente, José Luiz Balardin, diretor-financeiro da Usina Santo Ângelo, com sede em Pirajuba, ressalta que boa parte dos incêndios ocorridos na região tem origem criminosa. Para ele, quando o assunto é conservação ambiental e prevenção ao fogo, um dos desafios é a melhoria da imagem do setor sucroenergético – que responde por 17% do Produto Interno Bruto (PIB) mineiro 100% mecanizada e -, há anos, aboliu as queimadas como instrumento de manejo/colheita da cana.

“Infelizmente, a associação equivocada entre cana e fogo ainda permanece entre muitos. No entanto, faz tempo que o fogo deixou de ser uma solução e se transformou num sério problema para nós. Hoje, 100% da colheita aqui na região é mecanizada e um dos nossos diferenciais ambientais é exatamente a cana crua, ou seja, sem a tradicional queima na pré-colheita.”

Em tom de apelo, Balardin sintetiza o sentimento que impera entre a maioria dos empresários do segmento no Triângulo. “Não podemos mais conviver com o fogo. Trabalhamos numa terra de Cerrado e estamos a cada dia mais convictos de que as melhores soluções vêm da própria natureza. Respeitada, ela sempre trabalha a nosso favor.”

Otimista, ele conclui: “A cana crua nos trouxe uma contribuição enorme. A palhada que fica no campo é uma verdadeira caixa d’água a céu aberto: preserva a umidade do solo, potencializa a ação dos nutrientes, regula o microclima e, com isso, mantém a cana verde e forte até a chegada das chuvas. Vivemos da terra, de culturas que passam de pai para filhos e netos, e sabemos que um futuro sustentável depende da responsabilidade, da consciência e do cuidado que estamos tendo agora, no presente”.

 

Corredor ecológico e reciclagem de água

A usina Santo Angelo, em Pirajuba, mantém 1.568 hectares protegidos e já plantou mais de 300 mil mudas de árvores nativas para recompor a paisagem natural. Foto: Fernanda Mann

Localizada em Pirajuba, no Baixo Rio Grande, a Usina Santo Ângelo tem 33 anos de história. As estimativas para este ano incluem a produção de 3,2 milhões de toneladas de cana e a fabricação de 282,6 mil toneladas de açúcar, além de 76,5 mil m3 de etanol, sendo 39 mil m3 hidratado (vendido diretamente nas bombas) e 37,5 mil m3 anidro (usado na mistura com a gasolina).

Mista, a usina também atua no segmento de geração de energia limpa e renovável, a partir da queima de bagaço da cana. A previsão para 2017 é chegar a 160 mil MW/h, com 57,6 mil deles destinados ao seu abastecimento interno.

A conservação de nascentes e de florestas, em consórcio com as áreas de cultivo de cana, é prioridade na empresa. Atualmente, 1.568 hectares são protegidos sob a forma de corredor ecológico e Área de Preservação Permanente (APP), graças a um trabalho iniciado em 2004 e que contabiliza o plantio de 300 mil mudas de espécies do Cerrado, tais como pequi, ipê e aroeira.

Com a criação do corredor ecológico e o incremento das ações de reflorestamento, a presença de animais no campo vem aumentando. “Dias atrás, nosso engenheiro ambiental avistou uma onça-parda ao passar de carro por uma de nossas áreas. Canários, mutuns e sucuris também são comuns aqui”, relata o coordenador ambiental da usina, Decriê Polastrine.

 Vinhaça reaproveitada

Abastecida por três poços artesianos, a Santo Ângelo segue empenhada em melhorar também sua performance hídrica. No Centro de Manutenção Preventiva (CMP), uma estação de tratamento de água (ETA), inaugurada em 2011, e um conjunto de canaletas e caixas separadoras de água/óleo asseguram a reciclagem mensal de 5.400 m³, usados na limpeza e lubrificação da frota de mais de 100 veículos da usina, entre carros, caminhões e implementos agrícolas.

A vinhaça, efluente líquido gerado na destilação do álcool, também é reaproveitada. Seu destino é a fertirrigação dos canaviais, contribuindo para a reposição de potássio e de outros nutrientes no solo. “Temos ainda um sistema de recuperação do vapor resultante do processo de cozimento do caldo da cana (condensado), que retorna ao processo e nos assegura uma economia de 200 mil litros de água por hora”, conclui Polastrine.

 

(*)As repórteres viajaram a convite da Siamig