Do pasto ao grão
27-06-2014

Quando prescinde do maniqueísmo característico da discussão pública no Brasil, sobretudo no embate entre ruralistas e ambientalistas, o olhar desembaçado depara com exemplos notáveis. Um deles está no sul do Pará, na região do rio Araguaia, em geral associada ao desmatamento e à violência.

Como mostrou esta Folha na quarta-feira (25), num dos cinco cadernos especiais "O Brasil que Dá Certo", a área vive um ciclo virtuoso de expansão agrícola. Virtuoso porque a produção de grãos avança ocupando terras degradadas.

Seis municípios --Redenção, Conceição do Araguaia, Santana do Araguaia, Floresta do Araguaia, Cumaru do Norte e Santa Maria das Barreiras-- viram a área plantada saltar de 500 para 110 mil hectares (ha) em 12 anos. Neste ano devem ser colhidas 429 mil toneladas de grãos, 46% a mais que em 2013.

É uma prova concreta de que há espaço para ampliar a safra sem destruir mais floresta. Estima-se que existam no país pelo menos 30 milhões de hectares de pastagens em algum estágio de degradação, com baixíssima produtividade para a pecuária. Aumentar a eficiência da criação animal e liberar tais áreas para o plantio agrícola surge como caminho óbvio.

Trata-se de superfície 20% maior que a do Estado de São Paulo. Corresponde à área cultivada de soja no Brasil, ao dobro da de milho e ao triplo da de cana-de-açúcar.

Esse estoque de terras, aliado ao contínuo aumento da produtividade da agricultura nacional, permitiria continuar expandindo a colheita por décadas sem agredir o ambiente. Nenhum outro país conta com essa oportunidade.

Claro está que o rumo desejável não será trilhado de maneira espontânea pelos produtores rurais. Suas decisões empresariais, como é natural, são guiadas por preço e qualidade da terra, clima, proximidade de mercados consumidores e custos logísticos.

Sem o papel indutor do poder público, nada garante que o ciclo de expansão se manterá benigno. Por exemplo, é decisivo que o governo federal se dedique a um planejamento mais ambicioso de obras de infraestrutura para baratear o transporte de commodities agrícolas até portos de exportação.

Neste ano expira a moratória da soja, acordo setorial em que grandes compradores do grão não aceitavam adquirir o produto de lavouras em áreas de desmatamento recente. Algumas organizações ambientalistas manifestam o temor de que recrudesça a destruição de florestas. Cabe aos produtores rurais demonstrar, como fizeram no sul do Pará, que isso é desnecessário.

Editorial