Fusão de gigantes gera grandes desafios e impacta setor sucroenergético
07-04-2022

Fusão de gigantes
Fusão de gigantes

A realização de transações, como a aquisição da Biosev pela Raízen e a criação da joint venture entre BP e Bunge, exige uma complexa integração de culturas organizacionais, que proporciona diversos benefícios     

Renato Anselmi

Aquisições, joint ventures e fusão de gigantes ampliam demandas na área de gestão de pessoas e criam promissoras oportunidades no setor sucroenergético. Ao mesmo tempo, exigem grandes esforços de empresas e consultorias que precisam superar desafios relacionados à unificação da cultura organizacional das companhias e equipes envolvidas nessas transações. Todo esse trabalho é compensado pelos ganhos significativos proporcionados pela absorção das experiências positivas vivenciadas pelas empresas.

Dois exemplos de negociações ocorridas nos últimos anos movimentaram e impactaram, de maneira expressiva, o setor sucroenergético. Uma delas foi a aquisição, em fevereiro de 2021, das unidades sucroenergéticas da Biosev pela Raízen, que passou a ter 35 usinas e capacidade para moagem de até 105 milhões de toneladas de matéria-prima por ano.

Outra grande transação foi a criação da joint venture entre Bunge e BP em dezembro de 2019, que deu origem a BP Bunge Bioenergia, que opera 11 usinas em cinco estados, com capacidade total de moagem de 32 milhões de toneladas por ano.

“A fusão de duas gigantes exige combinar pessoas, sistemas, processos, práticas e garantir a estabilidade das operações da nova empresa de forma autônoma, independente das empresas de origem”, afirma Geovane Consul, CEO da BP Bunge Bioenergia. Segundo ele, a BP Bunge já nasceu com a vantagem de herdar a expertise de cada companhia, ambas com culturas fortes e complementares. Ao processo desafiador de integração organizacional somaram-se, no entanto, as urgências de uma pandemia global com variáveis até então desconhecidas e impactos nunca imaginados – observa.

“A BP Bunge já nasceu com a vantagem de herdar a expertise de cada companhia, ambas com culturas fortes e complementares”, salienta Geovane Consul

Crédito foto: Banco imagens BP Bunge Bioenergia

O complexo caminho da unificação da cultura organizacional já trilhado algumas vezes pela Raízen, que é um grupo bastante ativo em novos negócios, está criando oportunidades promissoras em decorrência da aquisição da Biosev. A conclusão dos processos de uniformização das operações e de integração das equipes das duas empresas, em abril, marca o início de um novo momento para a companhia. As soluções para etanol de segunda geração e biogás desse grupo sucroenergético serão agregadas gradativamente às usinas que pertenciam à Biosev e as práticas agrícolas – com qualidade reconhecida no setor – utilizadas nas unidades adquiridas estão sendo incorporadas pelas outras usinas da Raízen – exemplifica Francis Vernon Queen, vice-presidente executivo de operações de EAB (Etanol, Açúcar e Bioenergia) da companhia.

As trocas de boas práticas, o aprendizado mútuo de novas tecnologias e as novas formas de produção resultam no crescimento orgânico das empresas envolvidas na transação, que passam a ser uma única organização – comenta Pedro Luiz de Almeida Alves, sócio consultor da Ação Consultoria & Treinamento. Há grandes desafios, no entanto, que devem ser superados no processo de fusão e aquisição.

É preciso manter as equipes motivadas e fazer com que a nova cultura seja compreendida rapidamente pelas pessoas, diminuindo a permanência delas no chamado “vale do desespero” – define Pedro Alves -, ou seja, sob o impacto causado pelas mudanças. “Para isto, é vital que o discurso da nova estrutura seja praticado pelos níveis de liderança e formadores de opinião”, destaca.

A integração de culturas organizacionais já está no DNA da Raízen”, afirma Francis Queen

Crédito foto: Banco imagens Raízen

PROTAGONISMO E OPORTUNIDADES – A integração de culturas organizacionais já está no DNA da Raízen – afirma Francis Queen. “A união das equipes ocorre por meio da comunicação da proposta e da visão do grupo. Entender a nossa missão é fundamental”, ressalta o vice-presidente executivo de operações de EAB (Etanol, Açúcar e Bioenergia) da companhia.

A aquisição das unidades da Biosev impulsiona ainda mais a meta do grupo em ser reconhecido como referência no setor e na indústria de energia. Segundo ele, o objetivo da Raízen é ter um protagonismo global no processo de transição energética, que reserva inclusive um papel relevante para o etanol. “Temos um plano gigantesco de crescimento”, enfatiza. 

O vice-presidente de EAB revela que a empresa vai precisar de “todo mundo” nesta nova etapa. “As equipes devem entender que não há clima para competição. Existem oportunidades por causa da possibilidade de crescimento. O futuro é promissor”, diz. O trabalho em equipe – bastante valorizado nas empresas – ganha importância ainda maior neste caso. A empresa conta, atualmente, com 40 mil funcionários – somente o quadro da Biosev era formado por 10 mil pessoas.

A Raízen conta com 40 mil funcionários

Crédito foto: Banco imagens Raízen

No processo de integração de equipes, culturas, tecnologias, o resultado da soma de um mais um está sendo maior do que dois – observa. A Raízen procurou capturar e integrar o que existe de melhor em cada companhia. “Muitas práticas positivas já faziam parte da cultura das empresas. A Raízen estava inclusive de olho nas competências da Biosev”, comenta.

Com a disponibilidade de um maior volume de biomassa, a Raízen poderá ampliar ainda mais o portfólio, transformando a matéria-prima em produtos de maior valor agregado.  

O ganho de escala, a qualidade dos ativos, a maior capacidade de produção, o custo mais baixo de produção, a localização das usinas, entre outros fatores positivos, contribui para acelerar o papel estratégico que a companhia pretende desempenhar no processo de transição energética, conforme informações de Francis Queen.

A Raízen conta agora com 35 usinas, incluindo as nove unidades adquiridas da Biosev, e tem capacidade instalada para a moagem de até 105 milhões de toneladas de matéria-prima, além de possuir uma área de 1,3 milhões de hectares para o cultivo de cana-de-açúcar.

Somente o quadro da Biosev era formado por 10 mil pessoas


Crédito foto: Banco de imagens Biosev

CAPTURA DE MELHORES PRÁTICAS - Os processos e sistemas da BP Bunge Bioenergia já estão praticamente integrados – informa Geovane Consul.  “A cultura organizacional está se formando, vai passar por um processo de consolidação. Estamos nessa jornada de desenvolvimento com foco na formação de times inspirados e preparados para alcançar os objetivos do negócio e superar desafios futuros, além de proporcionar um crescimento pessoal e profissional”, afirma o CEO da empresa.

De maneira geral, o processo exige um trabalho árduo para a superação de algumas etapas e dificuldades. A BP Bunge conta com mais de 8,5 mil colaboradores diretos e 4,5 mil indiretos em 11 unidades agroindustriais, localizadas em cinco estados brasileiros. Mas, o principal desafio, independentemente do tamanho e da capilaridade da empresa, está na agilidade e na capacitação dos colaboradores para o desenvolvimento de uma cultura organizacional única – constata.

“Para isso, temos focado primeiro na liderança, com competências bem definidas, feedbacks estruturados e uma comunicação direta sobre os valores e objetivos da empresa e a visão do negócio”, diz. Além da atuação do líder, a disseminação da cultura organizacional é realizada por multiplicadores que dispõem de uma rede de canais de comunicação, como aplicativo, TV, intranet e campanhas sobre o propósito da empresa e outros temas, que reforçam os atributos da cultura da companhia. 

BP Bunge Bioenergia – Juntos Somos Mais Fortes

Para que ocorra um alinhamento cultural entre todos os envolvidos, incluindo diretores, líderes e pessoal da área administrativa, industrial e agrícola, a BP Bunge criou grupos de trabalho com comitês para grandes temas e agentes de cultura para ampliar a rede de influência. Houve a realização de um trabalho de harmonização de remuneração fixa e variável, benefícios, sistemas de folha de pagamento, rotinas administrativas, até práticas de desenvolvimento profissional que contribuem para manter colaboradores engajados na cultura e nos objetivos do negócio – detalha.

Entre os aliados neste processo de unificação incluem-se as convergências em termos de valores. “Estamos capturando as melhores práticas das duas companhias que nos deram origem. Isso, de certa forma, é um facilitador para nossa integração organizacional, pois focamos nosso processo de sinergia cultural nas complementariedades, nos pontos fortes, aproveitando os bons exemplos de ambas”, afirma o CEO da BP Bunge.

Além de formar um time ainda mais diverso, engajado nas novas oportunidades, o processo de integração originado da criação da joint venture avançou na harmonização e padronização de processos, rotinas e procedimentos, e na unificação de sistemas. “Temos um programa de captura de sinergias, que prevê resultados de otimizações de R$ 1,2 bilhão em três safras. No entanto, boa parte desse resultado já foi atingido no nosso primeiro ano de existência, tendo superado a meta do período em 32%”, revela.

DIFERENÇAS CULTURAIS - As fusões ou aquisições podem provocar uma verdadeira pororoca cultural – observa Pedro Alves, sócio consultor da Ação Consultoria & Treinamento. Ele compara o impacto causado nas empresas envolvidas em uma transação à pororoca do Rio São Francisco, que em determinadas regiões sofre com a junção de afluentes de outros rios, provocando mudanças na correnteza, na cor da água, na fauna e na flora. Em decorrência disto, os afluentes demoram para se adaptar e formar um novo rio a partir desse fenômeno.

Pedro Alves é a importância de unir as equipes, evitando clima de competição entre profissionais


Crédito foto: Divulgação Ação Consultoria e Treinamento

No caso das empresas, há também necessidade de adaptação às mudanças, pois existem diferenças de estrutura de poder, da hierarquia, das competências, processos e governança. O mais inquietante para todos – de acordo com ele – é a questão cultural. E isto não se refere apenas à cultura organizacional. Mas, em diversos casos, há diferença da cultura dos países de origem das empresas envolvidas no processo. “É preciso ‘administrar pessoas’, que estarão imersas em seus sentimentos, em suas emoções em um processo de adaptação, que impactará em seu futuro profissional”, avalia.

Alves observa que é preciso cuidar também das diferenças culturais brasileiras, que são gigantescas em um país continental. Diversas unidades sucroenergéticas envolvidas nas fusões estão localizadas inclusive em diferentes estados e regiões. “A promoção da sinergia e da integração das equipes, de diferentes regiões, é fundamental para amenizar o impacto da fusão e diminuir o tempo em que elas ficarão no que chamo de vale do desespero”, ressalta o sócio consultor da Ação Consultoria & Treinamento.

“A experiência de consultoria, em um projeto de desenvolvimento apoiado por equipes globais, que apresentava dificuldades, de maneira evidente, na administração de questões culturais. Propiciar um ambiente onde as pessoas pudessem ‘aprender ou reaprender’ a lidar com as diferenças foi vital para o sucesso da fusão”, conta.

Segundo Pedro Alves, a introdução de processos de acompanhamento das equipes e de coaching dos stakeholders teve um papel relevante para minimizar as diferenças e para que todos conseguissem ter resiliência. Em decorrência disso, as pessoas passaram a encarar a mudança como algo inadiável, inevitável, necessária e que poderia representar crescimento e não perdas.

ARQUITETURA 3D – Unir as equipes, evitando clima de competição entre profissionais, exige tempo, paciência, trabalho, comunicação e resistência para tratar as diferenças e mostrar que a oportunidade no processo está disponível para todos os envolvidos – declara Pedro Alves “O processo deve ser profissional e contínuo, conduzido em ciclos que vão se ajustando à medida que a fusão vai amadurecendo e tomando forma”, enfatiza.

A Ação Consultoria recomenda a arquitetura 3D (Discovery, Dream e Delivery ou Destiny) para que o processo seja conduzido de maneira eficaz. “Discovery é o momento de conhecer as diferenças entre as equipes, entre os negócios e promover um diagnóstico do status das questões culturais”, explica.

O Dream está relacionado ao conhecimento do propósito do novo negócio, das estratégias, táticas e na maneira como as empresas e pessoas se identificam na nova operação do negócio e no novo contexto organizacional. O Delivery ou Destiny é o como fazer esse processo se tornar realidade, através e com as pessoas, definindo papéis, competências e compromissos.
“A partir da arquitetura 3D passa-se ao ciclo de implementação do processo de sinergia e integração das equipes, que deve preconizar, sobretudo o profissionalismo e a ‘blindagem’ entre os envolvidos. É preciso que as equipes mistas se sintam pertencentes ao processo e que possuam empowerment para conduzir a fusão”, afirma.

Alinhamento cultural

ALINHAMENTO CULTURAL - Para que ocorra o alinhamento cultural entre as principais áreas, é preciso compreender as diferenças entre elas e entre as empresas e assim realizar todas as adequações e realinhamentos dos aspectos do negócio, dos processos, das equipes/pessoas e da governança – recomenda Pedro Alves, da Ação Consultoria. Para realizar a adequação cultural durante a fusão – de acordo com ele – devem ser consideradas três grandes fases.

A primeira delas é o “Mapeamento cultural”, que tem a finalidade de identificar as diferenças entre as empresas, por meio da metodologia da “cebola de Hofstede”. Nesta etapa, há a discussão das diferentes crenças, slogans, valores, rituais e símbolos latentes. “Além disso, é preciso avaliar as dimensões culturais das empresas: distanciamento do poder, processos decisórios, Incertezas, cenários, gêneros, governança. Isso tudo deverá ser submetido a uma análise, para que seja definido o modelo cultural que a nova estrutura quer seguir, podendo manter culturas independentes, mistas ou uma nova e única cultura decorrente da fusão”, esclarece.

A segunda etapa tem o objetivo de promover a fusão. Consiste em levar adiante – detalha – o processo de mudança e adequação cultural, envolvendo:

Plano de Comunicação, que deve ser claro e transparente;

Levantamento de Clima e Ambiente Organizacional, para se ter clareza onde serão encontrados os maiores obstáculos a serem enfrentados;

E Assessment - relatório elaborado para compreender e apontar tendências de comportamento, desempenho e potencial de funcionários e candidatos - para conhecer a equipe de liderança e saber qual o grau de aderência às novas necessidades, promovendo a sinergia nos níveis estratégicos e táticos para a nova cultura.

A outra fase é a de divulgação da cultura, que se inicia com a Sensibilização dos Gestores. “Em seguida ocorre o Roll Out da Sensibilização para todas as equipes, de preferência com turmas mistas das empresas fundidas, com a finalidade de mostrar que ‘estamos no mesmo barco’ para sedimentação do sentimento de pertencimento”, ressalta. É preciso ainda contar com um processo de comunicação/hotline, para esclarecer as dúvidas e minimizar impactos no ambiente e finalmente manter a “prática” da cultura definida, fazendo ajustes quando e se necessário – recomenda. 

Fonte: CanaOnline