Geração e evolução da biodiversidade de fauna silvestre nos canaviais em cultivo orgânico e manejo ecológico
10-10-2016

A contribuição dos sistemas agrícolas para as políticas públicas conservacionistas, sobretudo em relação à fauna selvagem, ainda é bastante subestimada. Hoje, o grande desafio colocado para os agricultores é o de conciliar a produção com a conservação das Áreas de Preservação Permanente e a proteção da biodiversidade de espécies animais silvestres. São considerados animais silvestres da fauna brasileira os pertencentes às espécies nativas, migratórias, aquáticas ou terrestres que tenham parte do seu ciclo de vida ocorrendo naturalmente dentro dos limites do território brasileiro. As relações entre a biodiversidade faunística e os sistemas agrícolas tropicais brasileiros têm sido objeto de estudos relativamente recentes.

A simples ocorrência de espécies em áreas agrícolas é estudada de forma ainda muito incipiente. Poucas pesquisas têm tido por objeto conhecer como os diferentes sistemas de produção podem influenciar na manutenção, geração ou até mesmo na ampliação da riqueza em espécies e da biodiversidade faunística. O tipo de manejo empregado nesses agrossistemas pode ser a “chave” para essa relação e ser mais ou menos determinante sobre a composição e estrutura dos povoamentos faunísticos.

Pesquisadores da Embrapa Monitoramento por Satélite, colaboradores e especialistas em fauna silvestre têm desenvolvido pesquisas voltadas à compreensão de como os sistemas de produção podem apresentar maior ou menor sustentabilidade às populações de vertebrados silvestres. Um estudo vem monitorando há mais de uma década a evolução da biodiversidade de vertebrados terrestres e o ganho de novas espécies em sistemas de produção orgânicos de cana-de-açúcar da Usina São Francisco, na região de Sertãozinho, SP. “Os resultados obtidos ao longo de anos e a evolução crescente da biodiversidade faunística foram muito estimulantes e corroboram a ideia de que a fauna silvestre é parte integrante do processo produtivo”, relata José Roberto Miranda, Doutor em Ecologia da Embrapa Monitoramento por Satélite.

Segundo Miranda, a área do estudo abrange um conjunto de fazendas com aproximadamente 8 mil hectares com cultivo orgânico e manejo ecológico, sendo que cerca de 80% do total da área está representada pelas lavouras de cana-de-açúcar, enquanto o restante é representado por outros ambientes naturais preservados ou restaurados. Para analisar as riquezas faunísticas de vertebrados silvestres existentes no conjunto das fazendas, foi considerado o mosaico dos diversos ambientes da propriedade e os recursos naturais oferecidos e explorados pelas várias espécies presentes. Houve uma atenção especial dedicada para a ocorrência de animais considerados em risco ou ameaça de extinção no Estado de São Paulo. O mapeamento do uso e cobertura das terras foi realizado por meio de imagens de satélite e uma carta de habitats faunísticos serviu de base para a realização do inventário da fauna silvestre na propriedade. Entre os ambientes mapeados, estão as áreas de lavouras, as áreas de vegetação nativas e/ou restauradas ao longo dos cursos d’água, os remanescentes florestais e as várzeas.

Ele explica que todos os levantamentos para o inventário das espécies seguiu critérios e itinerários científicos e foram realizados durante os anos de 2002 a 2016 nos habitats disponíveis à fauna silvestre. Até o momento, foram catalogadas 341 espécies de vertebrados silvestres no conjunto dos ambientes amostrados (27 anfíbios, 25 répteis, 246 aves e 43 mamíferos), das quais 49 das espécies são consideradas ou estão ameaçadas de extinção no Estado de São Paulo, de acordo com o Decreto Estadual nº 56.031 (SMA-SP, 2010). São exemplos destas espécies ameaçadas, a anhuma (Anhima cornuta), o gavião-belo (Busarellus nigricollis), o cauré (Falco rufigularis), a jaguatirica (Leopardus pardalis), o veado-mateiro (Mazama americana), o tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla) e a onça-parda (Puma concolor). Somente nos canaviais orgânicos, foram detectadas 120 espécies de vertebrados, ou seja, mais de um terço do total das espécies, sendo que nove dentre elas encontram-se ameaçadas.

As campanhas para levantamento de dados e o monitoramento da fauna durante todo o ano e ao longo dos anos, confirmam a eficácia dos métodos ecológicos empregados para o manejo da paisagem e a elevadíssima riqueza de espécies de vertebrados silvestres presentes no tipo de sistema de produção de cana-de-açúcar estudado. A ocorrência de espécies sob algum risco ou ameaça de extinção também representam indicadores ecológicos que atestam a qualidade dos recursos naturais oferecidos nesse padrão de sistema agrícola. Comparativamente, cabe citar a Reserva Biológica da Serra do Japi, na região de Jundiaí (SP), onde foram detectadas cerca de 280 espécies de vertebrados silvestres. Também destaca-se a grande presença de filhotes, o que indica uma boa implantação por parte das populações, além de assegurar a continuidade dessas espécies nesses territórios.

Uma das conclusões para compreender tais resultados é que ecologicamente os animais precisam satisfazer três dimensões de necessidades. A primeira é encontrar abrigo, nesse sentido a cana e os outros habitats podem oferecer abrigo eficiente para muitas espécies. A segunda dimensão é a reprodução – a simples presença de filhotes confirma essa condição. A terceira é a alimentação em abundância, suprida inicialmente pela grande presença da “mesofauna” na biomassa deixada sobre os talhões no pós-colheita e que atuam na decomposição dessa matéria orgânica. “O estrondoso número de insetos e suas larvas, aracnídeos e minhocas também servem de base para a teia alimentar de animais que aproveitam dessa disponibilidade nutritiva para sobreviver. De maneira contínua, esse emaranhado de conexões alimentares sustenta toda uma pirâmide de espécies que serão predadas por outros e assim sucessivamente, de tal sorte a dar suporte à ocorrência de grandes predadores e manter seus efetivos elevados”, afirma.

De acordo com Miranda, é seguro afirmar que, nas fazendas da Usina São Francisco, a ampliação da biodiversidade de fauna silvestre se deu através da maior estabilidade espacial e temporal dos ambientes e da previsibilidade da crescente oferta de recursos naturais disponíveis. A existência de corredores ecológicos entre as fazendas também tem possibilitado a colonização e implantação de novas espécies nos habitats disponíveis. Todo esse conjunto de resultados indicam interações cada vez mais harmoniosas e conciliatórias entre a conservação da fauna silvestre e os sistemas de produção de cana-de-açúcar orgânica com manejo ecológico da paisagem.

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