Hora de rever o Consecana
28-11-2016

Por Arnaldo Luiz Correa

O mercado de açúcar em NY encerrou a semana encurtada pelo feriado de Ação de Graças nos Estados Unidos, com mais uma queda em relação à sexta-feira da semana passada. O vencimento março de 2017 fechou cotado a 19.86 centavos de dólar por libra-peso, uma queda de pouco mais de 6 dólares por tonelada na semana. Todos os demais meses de negociação na bolsa fecharam em quedas entre 5 e 7 dólares por tonelada.
Parece-me cada vez mais difícil que possamos ver os preços do açúcar nos altos níveis em reais por tonelada que vimos até o início de outubro, quando o mercado bateu R$ 1,761,89 (uma combinação de taxa de dólar a 3.2212 e açúcar em NY a 23.81 centavos de dólar por libra-peso). Com o fechamento desta sexta de 19.86 centavos de dólar por libra-peso e dólar negociado a 3.4140, temos R$ 1,557,56. Uma queda de 11.60%. A desvalorização do real em relação ao dólar sofre uma combinação das incertezas globais pela eleição de Donald Trump e do quadro político brasileiro com mais uma queda de ministro metido em acusações de favorecimentos. Petróleo despencando no mercado internacional também não favorece a arbitragem do etanol com açúcar, ou seja, independentemente do tamanho da safra no próximo ano, mais açúcar será produzido.
O consumo de combustíveis no Brasil, nos últimos doze meses, segundo números divulgados pela ANP foi de 57.66 bilhões de litros, uma queda de 1.4 bilhões de litros. Por gasolina equivalente a queda é de 1.48% no mesmo período e estamos projetando que o ano feche com queda de 1.58%.
O setor necessita urgentemente promover uma ampla discussão a respeito da eficiência do Consecana. Não há dúvida que o modelo teve incontestável sucesso desde a sua criação. No entanto, modelos não são perfeitos e precisam ser ajustados e melhorados para se adequarem à realidade de um mercado e um mundo em constante mudança. Por muito tempo, o Consecana pareceu refletir os anseios do setor e definir de maneira justa a remuneração dos fornecedores de cana. Serviu sob determinadas condições de mercado, mas é incontestável que hoje o modelo prejudica igualmente as usinas e os próprios fornecedores de cana quando essas condições mudam, que é o caso atual em que o mundo açucareiro passou de um superávit para um déficit mundial.
É preciso analisar com a devida profundidade as restrições que o atual modelo apresenta em mercados invertidos, aqueles cujos preços dos meses com vencimento mais curto negociados no mercado futuro são mais altos do que os meses com vencimentos mais longos. Que é o caso agora.
Querem um exemplo? Há algumas semanas o contrato futuro de açúcar com vencimento maio/2017 na bolsa de NY, primeiro mês de fixação de preço para os açúcares da safra 2017/2018, negociava a 23.00 centavos de dólar por libra-peso. A política de risco da maioria das usinas recomenda fortemente que o percentual correspondente à produção de açúcar oriundo de cana de terceiros não seja fixado. O argumento é que ao fixar o preço do açúcar no mercado futuro da parcela correspondente à produção de açúcar de cana de terceiros, a usina corre o risco de ver o mercado continuar em ascensão e o custo ajustado da cana que terá que pagar ao fornecedor afetar a rentabilidade do produto final (açúcar). Dessa forma, seguindo essa orientação, a usina assistiu ao contrato de maio/2017 negociar a 23.00 centavos de dólar por libra-peso sem fixar nada da parcela correspondente à cana de fornecedor. Tornou-se quase um axioma dentro das usinas esse procedimento. Não há matemática que consiga justificar que perder 400 pontos –ou 90 dólares por tonelada!!! - (o maio está 19.10 centavos de dólar por libra-peso) não faz diferença nem para a usina nem para o fornecedor de cana. Ambos perderam.
A lógica de não fixar cana de terceiros funciona no mercado em custo e carrego (aquele em que os preços futuros com vencimento mais longo são mais altos do que os preços com vencimentos mais curtos), comuns em situações de excesso de oferta. No entanto, usar esse mesmo critério num mercado invertido é jogar pela janela uma eventual oportunidade de remuneração mais vantajosa que os meses com vencimento mais curto proporcionam num mercado invertido. Eu não consigo entender essa lógica.
Como resolver essa questão para que todos saiam ganhando é o desafio maior que nos dá certeza de que um amplo debate precisa ser feito. Talvez um contrato futuro de ATR na BM&F Bovespa? Ou um modelo mais justo que não iniba a usina de ganhar dinheiro quando o mercado futuro sobe apenas por conta de ter cana de terceiros. Temos que ter a humildade de reconhecer que precisamos aperfeiçoar os instrumentos de apreçamento da cana para que o setor, como um todo, possa tirar proveito de situações raras como a que estamos vivendo, com o açúcar negociando numa margem muito acima do que vimos nos anos recentes.


Fonte: Archer Consulting