Potencial de geração de energia da cana
25-04-2017

Por Alessandra Genu Dutra Amaral

Em tempos conturbados no setor elétrico, em meio a grandes incertezas regulatórias e a dúvidas envolvendo a precificação da energia elétrica, uma luz está acesa no fim do túnel. O BNDES mostra-se disposto a viabilizar um novo modelo de financiamento de projetos destinados à expansão da geração, exclusivo para atendimento do Ambiente de Contratação Livre – ACL.

Essa disposição se apresenta em momento oportuno, pois acompanha o crescimento que o mercado livre vem registrando desde o segundo semestre de 2015. De fato, o setor elétrico fechou o ano de 2016 com 4.300 consumidores, entre livres e especiais, registrados na CCEE, significando um crescimento de mais de 235% em relação a 2015.

O crescimento do mercado livre ocorreu na esteira do aumento da tarifa do consumidor cativo, conjugada com a queda de preços no mercado livre, decorrentes da melhoria da situação hidrológica e da retração da carga, fruto este da crise econômica brasileira. Nesse cenário, os consumidores elegíveis à migração para o mercado livre, predominantemente indústrias e grandes estabelecimentos comerciais, perceberam na migração para o mercado livre uma alternativa de redução dos custos relacionados aos seus negócios.

Nesse cenário, cabe uma indagação. Qual o papel da geração de energia elétrica a partir da biomassa da cana-de-açúcar e como a infraestrutura do setor sucroenergético pode contribuir para a expansão da geração de energia elétrica no País e, mais especificamente, para o mercado livre?

A geração de energia elétrica a partir da biomassa de cana-de-açúcar: De acordo com o site da ANEEL, em fevereiro de 2017, o total de potência instalada no setor elétrico brasileiro é de cerca de 152 GW, sendo 41 GW provenientes de usinas termelétricas, conforme mostra a tabela Empreendimentos em Operação, em destaque. Vale destacar que, dos 41 GW de capacidade instalada de usinas termelétricas, a geração de eletricidade a partir da biomassa de cana-de-açúcar responde por 27%, ou ainda 11 GW. Com esse cenário, mesmo que não seja constante o crescimento, será possível vislumbrarmos grandes oportunidades para modificarmos a infraestrutura do setor elétrico, principalmente com as fontes térmicas a biomassa, dependentes diretamente do setor sucroenergético.

 A geração de eletricidade a partir da biomassa de cana-de-açúcar traz benefícios para o País, tanto do ponto de vista socioambiental quanto do ponto de vista eletroenergético. Em termos sociais, a bioeletricidade promove a geração de renda e de emprego, fixando o homem no campo. Some-se a isso o estímulo à indústria de bens de capital e à poupança de divisas, uma vez que depende menos da importação, tanto de equipamentos quanto de combustíveis, em comparação a outras fontes de eletricidade. Do ponto de vista ambiental, a bioeletricidade contribui para a manutenção do perfil limpo da matriz elétrica brasileira, uma vez que participa na redução das emissões dos gases do efeito estufa.

É por esse motivo que a geração de energia elétrica a partir da biomassa é classificada como “energia alternativa”, recebendo o incentivo pelo desconto na TUSD – Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição, não inferior a 50%. Note-se que a grande onda de migrações para o mercado livre, vivenciada a partir do segundo semestre de 2015, se deu predominantemente pela migração dos chamados “consumidores especiais”, que são aqueles que devem ter demanda contratada superior a 300 kW (individualmente ou reunidos pelo mesmo CNPJ ou por áreas contíguas). Tais consumidores podem migrar para o mercado livre caso comprem energia incentivada.

Outro ponto importante a ser destacado é que os consumidores, de uma forma geral, e os consumidores menores, em especial, requerem prazos contratuais de até 5 anos para a compra de energia. Isso ocorre em função da baixa visibilidade do mercado em um horizonte de mais longo prazo. No caso das usinas a biomassa, nota-se a oferta de energia elétrica em contratos de prazos menores do que os demandados por outras fontes de energia.

No tocante à geração de energia elétrica, é válido ressaltar que, embora a geração termelétrica a partir do bagaço de cana-de-açúcar seja sazonal, existe uma clara complementaridade com as fontes eólica e, sobretudo, hidráulica, quando se considera a safra de cana-de-açúcar nas regiões Sudeste e Centro-Oeste.

O gráfico abaixo apresenta a composição da energia gerada a partir de três fontes: biomassa, hidrelétrica e eólica:

Desafios e perspectivas para o setor: Segundo dados da ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica, de fevereiro de 2017, é esperado o acréscimo de 382 MW de capacidade instalada proveniente de geração a biomassa no ano de 2017.

Entre 2018 e 2023, mais 955 MW são esperados para se somarem à disponibilidade total do sistema elétrico brasileiro, conforme mostra o gráfico Geração a Biomassa Incremental. Ressalta-se, entretanto, que os números apresentados nesse gráfico ainda são tímidos diante do potencial de geração de energia elétrica do setor sucroenergético.

Nota-se que o setor ainda se encontra muito focado na produção das commodities de açúcar e álcool/etanol, sem muito foco na geração de energia elétrica.

No País, apenas 20% das usinas comercializam os seus excedentes de energia elétrica, em grande parte, em SP (61% do total de 88 usinas) e somente outras 34 distribuídas em 11 estados brasileiros. Estima-se que, se todo o potencial de geração de energia elétrica a partir da cana-de-açúcar fosse aproveitado no Brasil, seria possível agregar ao sistema elétrico cerca de 11 GW médios até a safra de 2018/2019. Em geral, as novas usinas já nascem com as adaptações necessárias para a disponibilização da energia, demonstrando a disposição de seguir em frente com a cogeração. Contudo, para alavancar a atividade, é essencial que o horizonte de preços esteja favorável ao investidor e que exista estabilidade regulatória. Além disso, devem ser reconhecidos os custos dos danos ambientais evitados na etapa de produção agrícola.

No longo prazo, o desenvolvimento de toda a cadeia produtiva do setor sucroenergético pode ser articulado com outros setores da economia, uma vez que gera externalidades, promovendo o desenvolvimento de diversos negócios, como a prestação de serviços, a indústria de maquinários agrícolas e toda a logística de infraestrutura do transporte.
Ao que tudo indica, o ano de 2016 finalmente trouxe um alívio ao setor de açúcar e álcool/etanol, com a volta das contas ao azul. Esse resultado esteve relacionado à recuperação consistente dos preços durante o último ano, impulsionado pelo açúcar, em razão da indicação do déficit mundial na produção dessa commodity. Consequentemente, algumas instituições financeiras ligadas ao setor analisam que as usinas brasileiras encerraram o ano passado com melhores níveis de receita e margem do que nos anos anteriores.

Conclusões: Finalmente, em um momento em que o mercado livre cresce e que estão em discussão os critérios para uma abertura maior do mercado, com maior participação de consumidores especiais, existe, necessariamente, espaço para o crescimento da participação da bioletricidade na matriz elétrica brasileira. Para tal, é primordial que haja regras claras e o reconhecimento, por parte do financiador, do funcionamento e da liquidez do mercado livre, para que novas usinas voltadas para o ACL possam ser financiadas, levando-se em consideração as características específicas desse mercado.

Com a perspectiva de flexibilização das regras, visando à ampliação do mercado livre, toda a infraestrutura e a geração necessárias para atendimento dessa carga trará grande valor ao mercado como um todo, especialmente com foco no setor sucroenergético. Um país com bases estruturadas e planejadas não hesita quando as oportunidades batem à sua porta.

Artigo publicado originalmente na Revista Opiniões, edição de Janeiro/Março de 2017.
Alessandra Genu Dutra Amaral é Presidente da Energisa Comercializadora