Safra de cana não ajuda etanol a ficar mais competitivo
23-05-2014

A queda no preço do álcool combustível nas usinas começa a chegar aos postos, mas o impacto será insuficiente para tornar o etanol mais competitivo do que a gasolina. Além de a safra de cana de açúcar não ter apresentado crescimento em relação a 2013, pesam na conta as ações do governo para manter baixo o preço da gasolina. A perspectiva é de que a redução seja pequena e fique restrita a estados em que o álcool já é mais barato, caso de São Paulo, Mato Grosso e Goiás.

Como a procura pela gasolina está alta, as usinas devem produzir mais etanol anidro, que é misturado à gasolina. "Vai sobrar menos etanol hidratado [combustível] para colocar no mercado. Se baixar o preço, falta produto. Então os preços médios devem ficar mais altos do que na safra passada", diz o secretário de Petróleo, Gás Natural e Combustíveis Renováveis do Ministério de Minas e Energia, Marco Antônio Almeida.

As usinas já estão vendendo etanol hidratado mais barato. O preço nas produtoras paulistas caiu 12% entre 21 de abril e 16 de maio, segundo o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Universidade de São Paulo (USP). Mesmo assim, a baixa não foi integralmente repassada pelas distribuidoras, segundo o levantamento mais recente da Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP). De 20 de abril a 17 de maio, os preços das distribuidoras reduziram apenas 2,41%. Nos postos, a queda foi ainda menor: 0,87% na média brasileira e 0,65% no Paraná.

Varejistas afirmam que a safra ainda não surtiu efeito nos preços das distribuidoras. "A BR Distribuidora baixou o litro em três centavos. A Shell nem baixou", diz Fabiano Zortea, dono de seis postos em Curitiba. A Gazeta do Povo consultou as distribuidoras BR, Ipiranga e Raízen (da bandeira Shell), responsáveis por 96% do mercado de etanol, mas nenhuma se posicionou sobre o assunto.

Na média, postos de Curitiba venderam o litro do álcool a R$ 2,107 na semana passada, segundo a ANP. Dos 95 postos pesquisados, 11 optaram por cobrar R$ 1,999 por litro para girar estoques antigos. Segundo empresários, a redução foi uma estratégia de mercado e não impacto da safra.


Usinas

A pesquisadora responsável pela área de etanol do Cepea, Mirian Bacchi, avalia que as usinas seguraram preços já na entressafra para que o álcool não perdesse competitividade. "Se não subiu muito, também não cai muito [durante a safra]", diz. Segundo Mirian, a moagem de cana, que começou no fim de abril, já teve tempo suficiente para impactar nos preços.

Para comparar: em 2013, a queda do preço do etanol combustível vendido pelas usinas foi similar a de 2014 (12% no cálculo do Cepea), mas a redução para o consumidor foi mais expressiva. No Paraná, o custo do litro caiu, na média mensal, 9% entre abril e junho, quando chegou a R$ 1,871.


Em Curitiba, só gasolina

Desde que se mudou para Curitiba, há um ano, o mato-grossense Nielson Fávaro, 27 anos, prefere abastecer o seu carro flex com gasolina em vez de álcool. "O álcool não vale, está muito caro", diz o serralheiro. Para o Gol 2013 de Fávaro, o álcool compensaria se o litro chegasse à faixa de R$ 1,80. O mais barato que ele viu até agora foi R$ 1,92. Em Campos de Júlio (MT), onde trabalhava em usina, Fávaro conta que todos os donos de carro abastecem com álcool. "É mais barato e mais puro".


Mistura: Ministério não descarta aumentar quantidade de álcool na gasolina

O Ministério de Minas e Energia continuará avaliando a possibilidade de aumentar o porcentual de etanol na gasolina, mesmo depois de a Medida Provisória 638, aprovada pela Câmara dos Deputados na terça-feira, ter o artigo sobre o assunto excluído do texto. O governo federal pretende verificar se há estudos para sustentar a demanda das usinas.

O setor pediu que o teto de 25% de etanol subisse para 27,5%, como incentivo. "O que a gente conseguiu juntar não dá conforto para que se faça a mudança agora. O que vai ser feito é um conjunto de estudos específicos", diz o secretário de Petróleo, Gás Natural e Combustíveis Renováveis do ministério, Marco Antônio Almeida, sem citar prazos.


Risco

A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) afirma que 25% é o limite possível. O vice-presidente da entidade, Henry Joseph Júnior, diz que o aumento traria risco para veículos importados e para a frota antiga que roda apenas à gasolina.

As fábricas sustentam que poderia haver problemas de dirigibilidade, desgaste de peças e dificuldade de aceleração. Outros problemas levantados são aumento da emissão de poluentes e do consumo de combustível. A base de argumentação para isso foram testes com gasolina adulterada, que avaliaram resultados em curto prazo.

"Não há como afirmar em que nível o carro sentirá esses efeitos, mas com certeza haverá problemas. O dono ficará meio transtornado, tentando corrigir o que não pode ser corrigido", diz Joseph. A Anfavea informa ainda não ser possível avaliar o que a mistura faria com novas tecnologias de veículos importados, como a injeção direta de combustível.

Camille Bropp Cardoso