Unica considera “possibilidade concreta” painel contra China na OMC
08-06-2017

Ao mesmo tempo em que questiona salvaguarda chinesa ao açúcar, indústria pede taxa sobre etanol dos EUA

A União da Indústria de Cana-de-açúcar (Unica) considera “uma possibilidade bastante concreta” a abertura de um painel contra a China na Organização Mundial do Comércio (OMC). Representante das usinas de açúcar e etanol da região Centro-sul do Brasil, a entidade é contra a salvaguarda dos chineses para a importação de açúcar.

O governo chinês anunciou que a tarifa passará de 50% para 95% pelos próximos 12 meses. No período seguinte, cairá para 90% e, depois, para 85%. A medida vale para os volumes que ultrapassem as cotas de exportação. A do Brasil, maior exportador global e que tem os chineses como principais clientes, é de 1,945 milhão de toneladas.
 

Para a Unica, a salvaguarda reduz a competitividade do açúcar brasileiro no mercado chinês. E foi anunciada em meio a uma expectativa de aumento nos embarques para o país asiático. Na safra 2016/2017, foram 2,149 milhões de toneladas. Para a atual, a previsão é de 3 milhões.

“É uma quantidade expressiva”, avalia a presidente da Unica, Elisabeth Farina, que teme um efeito ainda mais prolongado do que os três anos previstos inicialmente. De acordo com ela, a sobretaxa poderia ser renovada a ponto de durar pelo menos dez anos.

Ela admite que a salvaguarda é um mecanismo de proteção de mercado reconhecido. Argumenta, no entanto, que um país pode adotá-la sob duas condições: se houver um movimento atípico de importações de um produto e se for comprovado um efeito nocivo dessa movimentação sobre o mercado local.

“Como não foram demonstradas as condições, fica aberta a possibilidade de um painel na OMC. Estamos acompanhando com o governo brasileiro e vejo como uma possibilidade bastante concreta”, diz, em entrevista a Globo Rural. “É um processo longo e caro, mas temos toda a condição de ganhar”, acrescenta.

Etanol
Ao mesmo tempo que atua para impedir que parte das exportações de açúcar fique mais cara, o setor se preocupa com o forte aumento das importações de etanol por parte do Brasil. De janeiro a abril deste ano, o volume foi de 835,75 milhões de litros, mais do que em todo o ano passado, quando o volume ficou em 821,57 milhões.

Quase tudo o que o Brasil importa de etanol vem dos Estados Unidos. No intervalo de janeiro a abril de 2017, segundo dados compilados pela própria entidade, foram 835,12 milhões de litros do combustível que, na indústria norte-americana, é fabricado a partir do milho.

A Unica solicitou à Câmara de Comércio Exterior (Camex), que estabeleça uma tarifa de 16% sobre o etanol importado. Usa como argumento a vantagem ambiental do combustível de cana-de-açúcar sobre os concorrentes. “Não é uma tarifa contra os Estados Unidos, mas contra qualquer país”, pondera, embora a metodologia de cálculo da tarifa tenha sido baseada em referências norte-americanas.

Um dos motivos para a diferenciação é o reconhecimento do etanol brasileiro como combustível avançado pelos próprios Estados Unidos. A Unica também alega que a produção de etanol de milho têm mais emissões porque as usinas usam gás, além do transporte da carga ser feito com navios movidos a combustível fóssil.

“A tarifa representa o diferencial de emissões do etanol que vem, basicamente, dos Estados Unidos, que é o nosso maior exportador. O Brasil está em um processo de valorização dos biocombustíveis vinculada aos compromissos de redução de gases de efeito estufa. O aumento da importação eleva a emissão da nossa matriz”, resume.

Elisabeth Farina descarta a possibilidade de uma eventual tarifação ser tratada como protecionismo. Explica que, atualmente, a taxa é zero porque o etanol está na lista de exceções da Tarifa Externa Comum (TEC) do Mercosul. Portanto, o normal já seriam 20%.

Além disso, diz a presidente da Unica, o Brasil tem, pela Organização Mundial do Comércio uma tarifa consolidada de 35%. Ou seja, poderia elevar a barreira até esse patamar sem que representasse violação de regras.

Concorrência
Na tentativa de minimizar o efeito da concorrência com o etanol de fora, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) incluiu os importadores no regime de estoques imposto para a produção nacional. Em entrevista à Globo Rural na época, o diretor do Departamento de Biocombustíveis do Ministério de Minas e Energia, Miguel Oliveira, defendeu a medida.

“Não criamos barreira nem aumentamos imposto. Fizemos um diagnóstico e construímos algo que não vai impactar nossas relações internacionais. É melhor do que uma solução tarifária.”

A Unica elogiou, dizendo que atende o setor, mas manteve a reivindicação de tarifa sobre o etanol importado. Elisabeth Farina argumenta que o objetivo é diferente, embora entenda que ambas as ações podem ter o mesmo efeito sobre os volumes comprados de outros países.

A questão ambiental é evidenciada, mas não está sozinha na reivindicação de uma barreira tarifária sobre o etanol importado. A entrada do combustível de fora vem aumentando pelo menos nos últimos três anos (veja quadro abaixo) e a exceção à TEC com tarifa zero vigora desde abril de 2010.

A presidente da Unica confirma que não houve solicitação anterior de barreira tarifária. O motivo para a mudança de postura agora, diz ela, é a balança comercial do combustível. “Somos exportadores líquidos em todos os anos, exceto este ano. Então, no fundo, o que está refletindo é um ano em que tem um nível de importação que superou a nossa exportação”, reconhece.

Segundo a própria entidade, na safra 2016/2017 (abril a março), o Brasil exportou 1,377 bilhão de litros de etanol e importou 1,405 bilhão. Nas duas safras anteriores, as importações tinham sido bem menores, de 475,73 milhões e 429,52 milhões de litros, respectivamente.

A executiva acrescenta que tem se formado o que chama de “excedente estrutural” de etanol de milho nos Estados Unidos. E teme uma entrada ainda maior do produto no mercado brasileiro. Mercados como China e Europa impuseram restrições às importações do combustível norte-americano.

"Está se formando um estoque estrutural e o único tarifa zero para os EUA é o Brasil. O que acha que vai acontecer? Vai buscar o fluxo mais fácil, que é o mercado brasileiro”, alerta.

Um argumento a mais a favor da tarifa de importação de etanol surgiu na semana passada, diz Elisabeth Farina: a saída Estados Unidos do Acordo de Paris. Para ela, a decisão desvaloriza a política norte-americana para os combustíveis renováveis, colocando pressão ainda maior sobre o excedente de etanol do país.