A força da cadeia de bioenergia no interior paulista e o desafio de transformar potencial em liderança global
30-09-2025

A transição energética é, provavelmente, o maior desafio industrial e geopolítico das próximas décadas. Relatórios de referência, como os do BloombergNEF (BNEF), apontam que os investimentos globais na transição energética atingiram US$ 2,1 trilhões em 2024, um recorde que representa crescimento de 11% em relação a 2023.
Por Rosana Amadeu
Em termos de participação das renováveis na matriz energética mundial, o cenário também evolui de forma acelerada. Segundo estudos da Agência Internacional de Energia (IEA), a capacidade renovável instalada deverá triplicar até 2030, cobrindo cerca de metade da demanda elétrica global até então. Já o BNEF, no seu New Energy Outlook, indica que a geração por fontes renováveis deve dobrar entre 2024 e 2050, chegando a 67% da eletricidade gerada nesse horizonte.
As projeções indicam que a eletricidade continuará a expandir sua participação, impulsionada pela substituição de derivados fósseis por biocombustíveis, energia solar, eólica e novas soluções de armazenamento. O gargalo, no entanto, também é claro: o maior déficit está no transporte eletrificado e na expansão de renováveis e redes de energia.
Nesse contexto, os biocombustíveis avançados despontam como peça estratégica. Levantamentos da Future Market Insights apontam que esse mercado deve crescer a uma taxa anual de 8,6% (CAGR), saltando de US$ 20,1 bilhões em 2025 para US$ 45,8 bilhões em 2035. O Brasil é destaque nesse cenário: além de seu histórico com o etanol, reúne condições únicas para expandir o uso de resíduos agrícolas e industriais na produção de etanol 2G, biogás, biometano, HVO e SAF (combustível sustentável de aviação).
Dados do Caderno de Oferta de Biocombustíveis (PDE 2035 - Ministério de Minas e Energia e Empresa de Pesquisa Energética) reforçam o papel do etanol e da bioeletricidade no processo de descarbonização da matriz energética brasileira. O crescimento esperado de 30% na produção de etanol até 2035, com destaque para o avanço do etanol de milho, consolida o Brasil como líder global na oferta desse biocombustível. Além disso, a integração entre etanol, bioeletricidade e biometano - esse último com potencial equivalente a 10% do consumo nacional de gás natural em 2024 - evidencia a capacidade da cadeia sucroenergética em oferecer soluções múltiplas e complementares para a segurança energética e a mitigação de emissões.
Outro ponto de destaque desse documento é a diversificação dos biocombustíveis, incluindo o biodiesel e os combustíveis sustentáveis de aviação (SAF). Enquanto a demanda de biodiesel deverá atingir quase 14 bilhões de litros em 2035, assegurando excedentes para novos mercados, a produção de SAF crescerá de forma consistente a partir de 2030, podendo suprir dois terços das metas estabelecidas por programas internacionais, como o CORSIA, e nacionais, como o ProBioQAV. Para viabilizar esse salto, segundo o estudo, estima-se a necessidade de R$ 110 bilhões em investimentos até 2035, um volume que sinaliza tanto o dinamismo da bioeconomia brasileira quanto as oportunidades de atração de capital e inovação tecnológica no setor.
Foi justamente para entender como essa oportunidade se conecta à indústria de base que o CEISE Br (Centro Nacional das Indústrias do Setor Sucroenergético e Biocombustíveis), em parceria com a consultoria Markestrat, elaborou o Mapeamento da Cadeia Produtiva de Equipamentos para Fabricação de Biocombustíveis e Bioenergias. O estudo, fomentado pela CPL Bioenergia, analisou a estrutura produtiva de Sertãozinho e 15 municípios do entorno, tradicionalmente reconhecidos como polo de bens de capital para o setor sucroenergético.
Os números impressionam: são 18,6 mil empresas, 105 mil empregos, R$ 37,1 bilhões em faturamento anual e R$ 4,1 bilhões em massa salarial. A qualificação da mão de obra se destaca, com escolaridade média 12% superior à da região e remuneração 20,4% mais alta. O segmento de Máquinas e Equipamentos responde por R$ 24,4 bilhões do faturamento e 27,6 mil empregos, confirmando-se como núcleo estruturante da cadeia, capaz de fornecer soluções a todas as etapas da bioenergia.
Na análise da Markestrat, o estudo revelou um cenário extremamente promissor para a CPL, destacando um conjunto avançado de capacidades de produção que engloba máquinas, equipamentos e serviços de alto nível. A existência de uma região forte na produção de etanol e açúcar estimulou o desenvolvimento de uma cadeia de fornecimento altamente qualificada, que deverá desempenhar papel crucial no apoio ao Brasil e ao mundo na transição energética.
Não se trata apenas de números. O diagnóstico também aponta gargalos que precisam ser enfrentados: dificuldade de acesso a crédito em condições competitivas, carga tributária elevada, carência de mão de obra técnica, ausência de políticas públicas voltadas a bens de capital da bioenergia, além de entraves logísticos e concorrência externa predatória.
Estamos diante de um polo industrial com vocação natural para liderar a bioeconomia brasileira. Nossas empresas já fornecem soluções de classe mundial, mas precisamos de políticas consistentes, financiamento acessível e qualificação contínua. O estudo nos dá base para articular setor privado, governo e academia em torno de um projeto de futuro para o país.
A governança da CPL Bioenergia integra CEISE Br, CIESP, SENAI, FATEC, IFSP, FAESP, Prefeitura de Sertãozinho, SEBRAE e a Fenasucro & Agrocana, configurando um arranjo institucional que fortalece inovação, competitividade e práticas ESG.
Ao conectar a força produtiva regional ao contexto global da transição energética, o mapeamento deixa clara a dimensão da oportunidade. A bioenergia brasileira tem não apenas escala agrícola, mas também base industrial sólida, concentrada em Sertãozinho e região, especialmente. O desafio agora é transformar esse potencial em liderança consolidada, com políticas e investimentos que estejam à altura da urgência climática.
Fonte: CEISE Br - Centro Nacional das Indústrias do Setor Sucroenergético e Biocombustíveis