AGCO, CNH e John Deere: o que querem os Big Guys da automação agrícola em 2024
30-11-2023
Saiba como as três gigantes em máquinas e equipamentos se preparam para disputar palmo a palmo a preferência dos produtores rurais em todo o mundo
Por Richard Bishop
Hoje em dia, nas fazendas ultra modernas, é impossível jogar um torrão de terra sem que ele atinja um robô. Não à toa, o setor agrícola é excepcionalmente ativo na aplicação de tecnologias para as tarefas necessárias ao cultivo. Uma infinidade de manejos agrícolas estão prontos para a automação – onde a tarefa é partilhada entre o ser humano e a máquina – e para a autonomia, onde a máquina realiza 100% de um trabalho específico sem envolvimento humano.
E quais têm sido os impulsionadores de negócios da inovação em tecnologias agrícolas? Nos EUA, por exemplo, está em primeiro lugar a falta de operadores de máquinas agrícolas. Como é comum em todas as sociedades, os trabalhadores estão escolhendo formas mais atraentes de ganhar dinheiro. Mas, de modo geral, para a força de trabalho existente é essencial aplicar a inteligência humana em tarefas mais complexas. Estes fatores cruzam-se com a necessidade de uma precisão cada vez maior para reduzir custos e melhorar a produtividade de um negócio de alto risco e margens baixas, como ocorre no setor do agronegócio.
Em contraste com os desafios de trazer a condução autônoma para as vias públicas, a agricultura é um espaço relativamente seguro para a autonomia fincar profundamente as suas raízes. Acrescente a isto a capacidade de modernizar os veículos agrícolas existentes com autonomia – o que não é uma opção viável em veículos rodoviários –, mostrando uma oportunidade de mercado significativa.
Embora a implantação seja discutida no futuro para caminhões autônomos de longa distância, a autonomia agrícola já está nas mãos dos agricultores. Mas quais são os pontos em comum? Quais são as diferenças fundamentais? Existem sobreposições? Sinergia? Para explorar estas questões, confira os movimentos recentes dos atores desse mercado, de grandes a pequenos.
AGCO quer chegar a US$ 2 bi em receitas combinadas
A grande mudança das últimas semanas vem da AGCO, uma das maiores empresas do setor, com receita anual em 2023 projetada em mais de US$ 14 bilhões (R$ 68 bilhões na cotação atual). A AGCO adquiriu uma fatia majoritária no negócio de tecnologia agrícola da Trimble, adquirindo uma participação de 85% no portfólio de ativos agrícolas da empresa, por um valor em espécie da ordem de US$ 2 bilhões (R$ 9,8 bilhões) e a contribuição da JCA Technologies. A Trimble atua em uma ampla gama de setores verticais, incluindo construção, geoespacial, recursos naturais e infraestrutura, além da agricultura.
O grupo de tecnologia agrícola da Trimble oferece autodirecionamento, pulverização de precisão, gerenciamento de dados e monitoramento de equipamentos, que a AGCO adicionará às suas ofertas de retrofit complementares. Especificamente, a AGCO combinará os produtos de tecnologia da Trimble com os produtos para plantadeiras Precision Planting, que a AGCO adquiriu em 2017. A AGCO disse que espera vendas da Precision Planting, que incluem seu negócio de retrofit Precision Planting e seu negócio Fuse Oem (frotas mistas), atinjam cerca de US$ 850 milhões (R$ 4,1 bilhões) este ano. Isto é mais do dobro do total de 2020, sendo que a AGCO prevê vendas de US$ 1 bilhão (R$ 4,9 bilhões) até 2025.
Acrescenta-se a isso que o software e os componentes da Precision Planting podem ser adicionados à maioria das marcas de plantadeiras, expandindo o seu mercado acessível aos agricultores que procuram atualizar modelos mais antigos. Com a combinação das receitas da agricultura de precisão da AGCO e das receitas da joint venture da Trimble Ag, a AGCO espera entregar mais de US$ 2 bilhões (cerca de R$ 10 bilhões) em receitas combinadas da agricultura de precisão até 2028.
Em agosto, durante um evento de tecnologia da AGCO em sua fazenda de pesquisa, no sul do Kentucky (EUA), em vastas extensões de terra, os produtores puderam conferir tecnologias como de uma plantadeira automatizada que deposita as sementes com precisão no solo, enquanto fornece a quantidade exata de fertilizante para cada semente. O que chama a atenção na inteligência de autonomia é que a plantadeira realiza uma tarefa complexa em um ritmo acelerado, enquanto é puxada por um trator automatizado que funciona em uma trajetória fixa.
Outra tecnologia apresentada foi sobre controle de ervas daninhas. À medida que as plantas brotam e crescem, elas competem com as pragas. Usando bancos de câmeras e aplicando técnicas de visão estéreo, o pulverizador automático pré-comercial Precision Planting da AGCO detecta ervas daninhas individuais e as elimina com herbicida. Isso significa uma grande diferença em comparação com a abordagem tradicional de força bruta de pulverizar os produtos químicos em todo o campo, criando escoamento tóxico e desperdiçando dinheiro. Também foi mostrado um trator não tripulado, puxando uma enfardadeira de feno autônoma.
Mas o que realmente impressiona é a operação autônoma na colheita, por sua simplicidade e utilidade. Este vídeo mostra uma colheitadeira em uma lavoura de trigo pareada com um vagão de grãos. Quando o vagão atinge sua capacidade máxima, ele se afasta e outro vazio toma seu lugar. São vagões inteligentes, que antes eram puxados por um trator e seu operador, o que representa uma grande inovação.
Embora os tratores autônomos possam percorrer uma rota planejada no momento do plantio, o trabalho do trator que puxa o vagão coletor de grãos exige mais inteligência porque sua rota não é fixa. Quando despachado, ele deve encontrar a colheitadeira e deslocar-se de modo apropriado para que o vagão receba os grãos. Quando cheio, deve encontrar sua própria rota através do campo e seguir até o silo ou carreta. Nas operações agrícolas de baixa tecnologia, a movimentação de vagões é uma das tarefas menos qualificadas para os trabalhadores e, no entanto, altamente intensiva em mão-de-obra.
A AGCO afirma que oferecerá retrofits para pulverização direcionada em 2024, com uma oferta de fábrica chegando em 2026. A autonomia de retrofit para seu “vagão de grãos independente do operador” e o plantio de precisão chegarão em 2025, com “soluções integradas totalmente autônomas em todos os ciclos de cultura”, até 2030.
CNH de olho na demanda do produtor
A CNH, fabricante de equipamentos Case IH e New Holland, também vem levantando poeira na agricultura de precisão. Em 2021, eles adquiriram a Raven Industries por US$ 2,1 bilhões (R$ 10,3 bilhões). Os clientes da CNH podem solicitar sistemas de orientação, máquinas de pulverização e sistemas de direção autônomos da Raven, em uma nova compra ou como modernização de equipamentos existentes.
Obter os melhores rendimentos requer um nível de precisão que antes não era prático com as máquinas do passado. Normalmente, os agricultores ajustam as suas máquinas agrícolas uma vez e todo o campo é trabalhado com esta única configuração. Mas as máquinas inteligentes da CNH podem ajustar-se às variações de profundidade e qualidade da sujidade em todo o campo. A CNH observa que sua tecnologia de automação de preparo do solo permite ao operador definir a profundidade do cultivo com uma precisão de um décimo de polegada, enquanto seu sensor monitora e mantém a profundidade durante todo o processo de plantio, a uma velocidade média de 16 quilômetros por hora.
O resultado? A CNH afirma que os agricultores podem poupar 17% em combustível e produzir quase cerca de 40 quilos a mais de soja por hectare por causa dos ajustes automáticos. Nos EUA, significa mais de US$ 15 por hectare.
Quando se trata de proteção de cultivos, a CNH adicionou o Raven Vision Guidance System aos seus pulverizadores automatizados. São máquinas enormes, com mais de cem bicos de precisão em uma lança de 40 metros, direcionando o equipamento ao longo das fileiras com precisão de menos de uma polegada. Operando a mais de 32 km/h, a CNH reivindica benefícios de 15% menos tempo ocioso, 10% de economia de produtos e capacidade de cobrir pelo menos 10% a mais de hectare por dia. Para a aplicação de fertilizantes, a empresa lançou o aplicador sem motorista Case IH Trident 5550 com “autonomia Raven interna” em 2022.
A CNH também está particularmente otimista em relação ao seu Sistema de Automação de Colheita, observando que os agricultores economizaram US$ 30 mil (R$ 147 mil) por ano, por máquina, reduzindo os custos de combustível e permitindo-lhes cobrir mais hectares por hora. A inteligência da máquina reduziu o número de funções que os operadores precisam gerenciar de doze para três, gerando benefícios de produtividade tanto para operadores semiqualificados como totalmente qualificados.
O sistema de automação da colheita inclui uma câmera multiespectral com inteligência artificial para otimizar o desempenho. A CNH afirma que o uso deste sistema gerou 33% menos perda de grãos e 25% de aumento na produtividade.
Na colheita do feno nos EUA, em particular, a adaptação às mudanças nas condições do campo é fundamental. O sistema da CNH conta com um dispositivo na frente do trator para avaliar a posição e o formato da linha. Esta informação é utilizada para otimizar a posição e a velocidade do trator. A empresa relata um aumento de até 15% na produtividade.
E quanto às culturas permanentes, como vinhedos e pomares? Existem desafios únicos nesses cultivos. Isso porque durante a colheita, as plantas não devem ser danificadas para que possam permanecer saudáveis e produzir na estação seguinte. O sistema automatizado da CNH verifica o trabalho de colheita mais de 30 vezes por segundo enquanto monitora as plantas e o terreno dez metros à frente da máquina. Com esta informação, a máquina se orienta na trajetória ideal. O sistema também está equipado com tecnologia infravermelha para funcionar à noite, pois as características da fruta, especificamente o teor de açúcar, podem atingir seu pico durante a noite. A CNH afirma que os clientes obtiveram uma economia de 10% em herbicidas, 35% de economia de combustível por acre (um acre tem 0,404 hectare) e uma redução de 35% em CO2.
A empresa afirmou que soluções de preparo semi autônomo e soluções de colheita assistida por motorista estão sendo testadas pelos clientes desde o ano passado. Nas ofertas de total autonomia da CNH, a solução de vagões autônomo Raven permite ao operador da colheitadeira chamar um vagão diretamente para a colheitadeira para descarregar o produto sem um segundo operador no trator puxando o vagão. Esta função é semelhante à abordagem da AGCO descrita acima.
John Deere e suas autônomas
A John Deere também possui um sistema de pulverização robótico, bem como um produto que otimiza o uso de fertilizantes, registrando quando sementes individuais são plantadas e pulverizando a quantidade precisa de fertilizante inicial diretamente na semente, à medida que é plantada. A convite da empresa, em agosto deste ano, a Forbes Brasil esteve nos EUA conferindo as tecnologias (acesse a reportagem aqui)
A empresa introduziu sistemas de retrofit no início deste ano. Tal como os outros OEMs, a autonomia é uma alta prioridade. Em janeiro de 2022, a Deere mostrou ao mercado seu trator totalmente autônomo. A empresa diz que começou com o preparo do solo porque a colheita é a época do ano mais movimentada para os agricultores. Isto acontece porque o agricultor, nos países de clima temperado, deve retirar a colheita atual do solo e ao mesmo tempo preparar o solo para a próxima época, antes que ele congele. A autonomia permite essencialmente que um agricultor faça as duas tarefas ao mesmo tempo.
O objetivo da Deere é criar uma exploração agrícola totalmente autônoma para os agricultores de milho e soja até 2030, na qual as plantas possam ser plantadas, pulverizadas e colhidas. Por enquanto, a Deere está oferecendo um pacote Autonomy Prep para tratores das séries 8 e 9 que garante que essas máquinas tenham os componentes conhecidos necessários para operar de forma autônoma no futuro. Esses componentes incluem a transmissão correta, Ethernet e um alternador de amperagem mais alta.
Startups como parte fundamental na automação
Dados os movimentos da AGCO, CNH e Deere, as tecnologias agrícolas representam um espaço muito aquisitivo. Não por acaso, o setor também tem uma atividade significativa de startups independentes. Em comparação com a condução automatizada na estrada, a tecnologia agrícola é uma arena promissora para startups, uma vez que os requisitos de segurança do Domínio de Design Operacional são menos desafiadores (embora ainda complexos). E a percepção é de que o processo de aquisição deva ser mais simplificado.
A abordagem da startup Monarch Tractors foi discutida em uma entrevista recente com seu fundador e CEO, Praveen Penmetsa. Ele disse que a Monarch busca competir de forma aberta com plataformas fechadas como a Deere. Seu objetivo para o Monarch é se tornar “o Android da Ag”.
A abordagem de receita da Monarch consiste em vendas diretas, assinaturas digitais e licenciamento. Para vendas diretas, a primeira entrega do trator MK-V da Monarch foi fornecida à Constellation Brands no final do ano passado.
Do lado do licenciamento, a CNH anunciou o seu trator inteligente T4 Electric Power “powered by Monarch” no mesmo período. Em particular, Penmetsa destacou a sua abordagem de “autonomia supervisionada”, na qual até seis tratores podem operar sob a supervisão de um operador.
A startup Carbon Robotics, com sede em Seattle, oferece uma abordagem de “detonação a laser” para o manejo de ervas daninhas. Os dados da câmera são usados para identificar ervas daninhas, que são então eliminadas com precisão com rajadas térmicas de 150 watts. Funcionando sem motorista, dizem que o sistema pode matar mais de 100 mil ervas daninhas por hora.
A Nodar, fundada em 2020, aplicou técnicas de visão estéreo para obter a percepção de longo alcance que rivaliza com a capacidade Lidar. A Nodar é altamente ativa em detecção rodoviária e anunciou recentemente o AgriView, sua solução de visão 3D para robótica agrícola.
De acordo com a empresa, os recursos incluem detecção de pequenos objetos e calibração em tempo real em cenas naturais, com desempenho excepcional em poeira, pouca luz, brilho intenso e condições climáticas adversas. As saídas do sistema fornecem nuvens de pontos de alta resolução, mapas de disparidade, rastreamento de objetos e velocidade. Sua solução definida por software permite flexibilidade de hardware.
A Deere tem sido uma compradora assídua. Em 2021, adquiriram a Bear Flag Robotics, que desenvolve tecnologia de condução autônoma compatível com as máquinas existentes: outra peça do quebra-cabeça do retrofit. Em 2022, a Deere adquiriu a Light, cuja tecnologia de visão de câmera é aplicada em muitos dos sistemas de autonomia da Deere.
O fato é que um ecossistema está se desenvolvendo entre os Big Guys (AGCO, CNH e John Deere) e o mundo das startups. O mais proeminente é o programa Startup Collaborator da Deere, que está em funcionamento há quatro anos. A empresa afirma que isso “nos dá a oportunidade de trabalhar com startups inovadoras de todo o mundo e testar novas tecnologias sem um relacionamento comercial formal”. Para a CES (Customer Effort Score), no início deste ano, a Deere anunciou oito empresas para seu programa 2023 Startup Collaborator. Mas eles anunciarão uma nova safra de empresas colaboradoras de startups na CES 2024?
No início de 2023, a CNH Industrial anunciou um investimento minoritário na EarthOptics através do seu braço ventures. De acordo com o anúncio, “a EarthOptics aproveita a tecnologia proprietária de sensores para medir com precisão a saúde e a estrutura do solo por meio de uma combinação de sensores terrestres, satélites, amostras físicas de solo, modelos de aprendizado de máquina e experiência agronômica”. O seu tesouro de dados do solo pode permitir aos agricultores gerir melhor as suas terras, resultando em aumentos no rendimento das colheitas, reduções na aplicação de fertilizantes e dados essenciais para a gestão do impacto de carbono da exploração agrícola. A CNH Industrial iniciou uma fase piloto de testes da tecnologia da EarthOptics através de sua marca Case IH no início deste ano.
O fazendeiro moderno
Toda empresa de tecnologias agrícolas possui vídeos de depoimentos de clientes em seus sites. Doug Nimz é um agricultor de quarta geração que cultiva milho e soja em 800 hectares no sul de Minnesota e é fã dos produtos Deere. No vídeo convincente da empresa, Nimz observa que seu trator autônomo pode fazer a lavoura “tão bem quanto eu mesmo”. Elen diz que pode usar seu celular para verificar todos os aspectos de uma operação no campo, incluindo quanto de área foi cultivada, nível de combustível e quaisquer alertas. O trator o avisa caso se depare com uma situação que não sabe como lidar. Mas caso nada ocorra, ele diz ficar satisfeito por fazer outra coisa além de dirigir aquele trator.
Nimz salienta que a capacidade de operar o trator 24 horas por dia é vital, porque “podemos trabalhar muito quando as condições do solo são melhores”. Ele resume seu depoimento dizendo: “Precisamos de mão de obra por muitas e muitas horas por curtos períodos de tempo. A tecnologia AutoSteer ajudou a reduzir a nossa carga de trabalho, o que torna a minha vida muito mais fácil.” A agricultura e a logística podem parecer domínios muito diferentes, mas é fácil imaginar o depoimento do gestor de um centro logístico de carga defendendo muitos destes mesmos pontos.
A competição é acirrada entre as empresas de tecnologias agrícolas, à medida que a autonomia se estende a cada vez mais tipos de operações para oferecer maior precisão com menos intervenção humana. Por exemplo, devido à capacidade de modernizar os veículos existentes, a Ag Autonomy anunciou que pretende entrar no setor agrícola a um ritmo muito mais rápido do que em autonomia para caminhões rodoviários. Mesmo que em ambos os domínios, a produtividade deverá aumentar para um nível nunca imaginado em apenas alguns anos, mas o agro sai na frente
*Richard Bishop é colaborador da Forbes EUA, consultor em estratégia e parcerias em ecossistema automatizado. Já trabalhou com desenvolvedores de tecnologia, fabricantes de veículos, reguladores, entre outros, incluindo Darpa e Google.
Fonte: Forbes