Agro deve dar novo impulso à transição energética
03-07-2025

Brasil caminha para se tornar o 5º maior produtor de gás renovável. Até 2026, responderá por 10% do biometano no mercado global

A transição energética deu novo fôlego aos biocombustíveis no Brasil, país que já é destaque no uso do etanol na propulsão de motores e da biomassa para geração de eletricidade na indústria. Esse impulso traz novas fontes de receita e oportunidades para o agronegócio nacional.

Uma delas é o biometano, gás renovável equivalente ao gás natural usado em veículos ou na indústria, que pode ser produzido com resíduos da fabricação de açúcar e álcool e da criação de porcos e aves. Ao mesmo tempo, o setor de petróleo e gás coloca as fontes renováveis em seu radar.

Segundo a Associação Brasileira do Biogás (Abiogás), a produção nacional de biometano está pouco acima de 800 mil metros cúbicos (m3) por dia, em 12 usinas. Em 2032, deverá chegar a 8 milhões m3/dia. A Agência Nacional do Petróleo (ANP), que aponta uma produção atual menor, de 470 mil m3/dia, estima que, em 2029, o país terá 93 usinas de biometano.

O Brasil caminha para se tornar o quinto maior produtor mundial de gás renovável nos próximos cinco anos, sendo responsável por mais de 10% do fornecimento de biometano no mercado global até 2026, estima a Agência Internacional de Energia (AIE).

O movimento é uma oportunidade para o agronegócio porque as principais fontes de produção de biometano são os resíduos da fabricação do açúcar e do álcool e da criação de animais.

Nas contas da Abiogás, o potencial de produção de biometano é de 102 milhões de m3/dia, cerca do dobro da demanda por gás natural no país, segundo a Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegás).

O avanço do biometano no Brasil

Foto: Editoria de arte

Do total desse potencial, 56% vêm da produção de açúcar e álcool e 38% vêm da pecuária. O restante está no aproveitamento do lixo urbano, que hoje é a principal fonte das 12 usinas de biometano em operação no país.

Nos aterros sanitários, o biogás gerado na decomposição dos resíduos é processado na usina para sair como biometano. No caso da agroindústria, o biogás vem da decomposição da vinhaça, resíduo das usinas de cana, ou do esterco de animais criados em confinamento, principalmente suínos e aves.

— Apostar no biometano é apostar no futuro do país. O biometano possui a mesma composição do gás natural, o que permite sua substituição direta em aplicações industriais e no setor de transportes. Essa característica técnica, aliada à origem limpa, faz com que o biometano contribua de forma significativa para a redução das emissões de gases de efeito estufa — explica Luiz Fernando Tomasini, diretor de Negócios em Biogás do Grupo Energisa.

'Já deixou de ser promessa'

O Grupo Energisa comprou em 2023 uma usina de biometano em Campos Novos (SC) e pretende investir R$ 90 milhões até o fim do ano.

— A usina tem papel estratégico, pois está instalada às margens da BR-282, no coração de um dos principais corredores logísticos do estado, conectando o polo agroindustrial exportador do Oeste catarinense aos portos do litoral. Pela primeira vez, a região passará a contar com alternativa local ao diesel. A disponibilidade futura de biometano ao longo da rota logística ampliará as condições para que a indústria catarinense avance na descarbonização de operações e fortaleça o uso de combustíveis limpos — diz Tomasini.

A distribuidora ES Gás, no Espírito Santo, pertencente ao Grupo Energisa, quer integrar quatro usinas de biometano à rede de distribuição. A empresa assinou seu primeiro contrato para injeção de biometano em rede canalizada, em parceria com a Marca Ambiental. O projeto prevê R$ 70 milhões de investimento na usina e R$ 5 milhões na infraestrutura da distribuidora.

Segundo Tomasini, a aprovação do Programa de Aceleração da Transição Energética (Paten), no ano passado, e a chamada da Petrobras para adquirir o insumo renovável “impulsiona ainda mais esse mercado”.

Para Tiago Santovito, diretor da Abiogás, “o biometano já deixou de ser apenas uma promessa”:

— A Lei do Combustível do Futuro, recentemente aprovada, vem justamente para acelerar essa transformação, ao estabelecer uma meta de descarbonização obrigatória para os agentes que comercializam gás natural (produtores e importadores), por meio da inserção de biometano.

De olho nas oportunidades no agronegócio, a Eren Biogas Brasil está desenvolvendo projetos para tratamento de resíduos orgânicos das indústrias sucroalcooleira e de proteína animal. Segundo Pierre-Emmanuel Moussafir, CEO da companhia, o grupo planeja investir até R$ 3 bilhões nos próximos sete anos:

— O Brasil é um dos maiores produtores agrícolas do mundo. Portanto, gera volume de resíduos orgânicos considerável. O país precisa investir fortemente na valorização desses resíduos, permitindo, assim, a produção de energia, biometano e biofertilizante, construindo uma verdadeira economia circular que agregue valor a toda a cadeia.

Valor dos resíduos

Para Moussafir, o biogás tem potencial para se desenvolver do mesmo modo que a indústria do etanol se estruturou por meio de políticas públicas como o Programa Nacional do Álcool (Proálcool), que completa 50 anos de lançamento este ano. E já atrai o interesse dos investidores.

— Os investidores procuram outros campos de investimento na área de descarbonização, como biogás e biometano. Além disso, as empresas passaram a perceber o valor dos resíduos — afirma Moussafir.

A Supergasbras iniciou no ano passado um projeto para substituir parte do diesel pelo biometano. Segundo Júlio Cardoso, CEO da companhia, o projeto começou com caminhões dos segmentos de granel e envasado:

— Com os resultados obtidos, iniciamos a expansão do uso do biometano para mais 18 caminhões da frota neste ano e pretendemos alcançar a marca de 58 caminhões até 2026.

A Gás Verde, dona da maior usina do gás renovável da América Latina, instalada no Centro de Tratamento de Resíduos Rio, aterro sanitário em Seropédica que substituiu o lixão de Gramacho, segue seu plano de converter dez termelétricas a biogás em usinas de biometano, todas em aterros sanitários.

A empresa acaba de conseguir dois empréstimos do BNDES, de R$ 131 milhões no total, para obras de uma das usinas e para construir, na unidade de Seropédica, uma linha de produção de CO2 verde, que pode ser usado na fabricação de bebidas gaseificadas.

— A demanda do mercado é maior que a oferta, e isso tem impulsionado a expansão de projetos de biometano. Esse mercado é movido pelo compromisso crescente das empresas, especialmente das grandes corporações, em reduzir emissões de forma definitiva e contribuir ativamente para o combate ao aquecimento global — diz Marcel Jorand, CEO da Gás Verde.

Empresas tradicionais buscam adaptação

Se a transição energética impulsiona novos negócios, com destaque para os biocombustíveis, também é uma oportunidade para setores estabelecidos apostarem na adaptação à nova realidade dos negócios.

A Copa Energia, engarrafadora e distribuidora de Gás Liquefeito de Petróleo (GLP, usado nos botijões), das marcas Copagaz e Liquigás, mira no biometano. A companhias não pretende entrar na produção, mas adquiriu em 2024 a CTG, que atua na compressão e no transporte de gás natural.

— A CTG já estava se posicionando para o biometano. A ideia é fechar contratos de longo prazo até o fim do ano — conta o vice-presidente de Estratégia e Mercado da Copa Energia, Marcos Mesquita.

Em um passo mais além, a companhia está investindo na pesquisa e desenvolvimento do Gás Liquefeito Renovável (GLR), equivalente idêntico ao GLP. Nesse caso, o gás renovável é produzido a partir do óleo de soja ou do etanol. Segundo Mesquita, a expectativa é que a pesquisa, em parceria com a UFRJ e a USP, chegue a um produto comercializável por volta de 2029.

Outra que vem anunciando foco em renováveis é a Petrobras. A petroleira estatal separou US$ 16,3 bilhões de seu plano de investimentos de US$ 111 bilhões para o período de 2025 a 2029 para “iniciativas de baixo carbono”. Segundo o gerente executivo de Gestão Integrada da Transição Energética da Petrobras, William Nozaki, em torno de US$ 5 bilhões são dedicados apenas à área de biorrefino, incluindo biodiesel, diesel verde, etanol e SAF, o combustível renovável de aviação. Na fabricação de etanol, a estatal está negociando parcerias com empresas do setor.

— No etanol, estamos dando sequência à prospecção de parcerias. O objetivo da Petrobras é ter uma atuação relevante nesse segmento, em função da Lei do Combustível do Futuro e do aumento dos mandatos. Para a agenda de transição energética, o etanol e os biocombustíveis são prioridade — diz Nozaki.

Conversão de motores

A produção de SAF e de combustíveis renováveis para navegação marítima representa um novo impulso para a produção porque, diferentemente do transporte rodoviário — no qual os motores elétricos a bateria vêm ganhando espaço rapidamente —, aviões e navios de longo curso têm no uso de combustíveis renováveis a saída mais viável para descarbonizar.

A fabricante de motores finlandesa Wärtsila, que produz propulsores para embarcações, vê os biocombustíveis como um dos caminhos possíveis para reduzir as emissões de gases do efeito estufa, embora a flexibilidade seja importante.

— O combustível mais viável é o que está disponível. O melhor é o que está mais perto — diz Jorge Alcaide, diretor-geral da Wärtsilä no Brasil.

No Brasil, a companhia finlandesa trabalha na conversão de motores de embarcações para biodiesel e na adaptação de motores de usinas termelétricas para usarem etanol, em vez de óleo combustível. No primeiro caso, a ideia é que o combustível fabricado por produtores de grãos no Centro-Oeste abasteça os empurradores que movimentam as barcaças que levam a soja e o milho pelos rios para serem exportados pelos portos da Região Norte, diz Alcaide.

Fonte: O Globo