Aquecimento global já está em 1,5ºC há 14 meses, alerta climatologista
17-09-2024

Países precisam acelerar a redução de emissões de carbono, afirma Carlos Nobre

Por Camila Souza Ramos — São Paulo

O climatologista Carlos Nobre alertou que o mundo já está há 14 meses com uma temperatura média 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais, e que isso está relacionado à “explosão” de casos de eventos climáticos extremos, como grandes inundações e secas extensas. “Pela primeira vez em 120 mil anos, desde o último período interglacial, a temperatura atingiu 1,5ºC [acima dos níveis pré-industriais]”, afirmou.

Em coletiva de imprensa organizada pela empresa francesa Tereos, de açúcar e bioenergia, em São Paulo, o cientista disse que ainda não é possível saber se a elevação da temperatura em 1,5ºC é “permanente”. Segundo ele, se no próximo ano a temperatura continuar 1,5ºC mais elevada, pode ser que essa condição possa ser considerada permanente.

O cientista afirmou que a ciência já sabia que, quando o mundo atingisse uma elevação de 1,5ºC, passariam a ocorrer eventos extremos, como calor extremo, secas prolongadas, chuvas em excesso e episódios de incêndios.

Ele ressalvou que é possível que a temperatura baixe um pouco nos próximos meses com o estabelecimento do fenômeno La Niña, que os institutos de meteorologia preveem que pode ocorrer entre outubro e novembro.

Porém, Nobre não acredita que essa seja uma boa notícia. “O Oceano Pacífico está muito quente, o Oceano Atlântico bateu recordes de temperatura, o Ártico nunca esteve tão quente”, alertou.

A última previsão dos cientistas era de que a elevação da temperatura em 1,5ºC poderia ocorrer entre 2033 e 2035. Diante das projeções, os países e empresas vinham adotando metas de neutralização das emissões de carbono até 2050.

Mas Nobre defendeu que será preciso acelerar essa redução de emissões “muito mais rápido do que [até] 2050”. “Se deixarmos para zerar tudo em 2050, a [elevação de] temperatura passa de 2ºC e pode chegar a 2,5ºC”, disse.

Restauração

Diante do risco iminente, o climatologista ressaltou que a melhor forma de estabilizar a quantidade de gases de efeito estufa na atmosfera são as plantas. “A grande estabilidade climática do planeta é a fotossíntese das plantas. Historicamente, o equilíbrio tem muito a ver com as plantas”, afirmou.

Segundo ele, se houver a restauração de 6 milhões de quilômetros quadrados de vegetação nativa no mundo, a absorção de gás carbônico será de 5 bilhões a 6 bilhões de toneladas por ano.

Agricultura regenerativa

Ele defendeu que a agricultura deve se aliar a projetos de restauração de biomas e que produtores rurais devem partir para práticas regenerativas. “A agricultura regenerativa pode realmente zerar as emissões. Esse é o caminho”, sustentou.

“A agricultura regenerativa mantém a cultura, restaura a vegetação, restaura a biodiversidade e gera uma quantidade grande de polinizadores”, disse. Além disso, ele ressaltou que a agricultura regenerativa “torna os sistemas muito mais resilientes a todos os eventos extremos, que não têm mais volta”.

Nobre ressaltou que a agricultura e pecuária regenerativas, além de promoverem maior equilíbrio ecológico, também resultam em mais produtividade e lucratividade. Por isso, ele criticou o ritmo de adoção de práticas regenerativas no campo no Brasil. “O que temos como desafio no Brasil é muito mais um desafio cultural. O setor não está caminhando rápido”, avaliou. E, para ele, essa característica não é só do Brasil. “Quando olhamos todos os setores no mundo, o mais negacionista das mudanças climáticas é o agro”, lamentou.

O cientista ressaltou que os países desenvolvidos já estão reduzindo sua área agrícola há décadas sem que isso tenha prejudicado o aumento da oferta de alimentos. "Nos Estados Unidos e na Europa, só diminui a área total da agricultura há décadas e só aumenta a produção, por causa de toda a ciência trazida. A China já vem reduzindo há mais de 20 anos a área da agricultura", citou.

Ele lembrou que a China também está é o país com o maior projeto de plantio de vegetação do mundo. Ao mesmo tempo, as autoridades chinesas vêm promovendo a intensificação da agricultura nas áreas urbanas como uma alternativa para diminuir sua dependência da importação de alimentos produzidos em países com risco climático - como o Brasil.

Nobre também defendeu o uso de biocombustíveis e da geração de energia elétrica através da queima do bagaço da cana-de-açúcar - cujas emissões são neutralizadas com a rebrota da planta no ano seguinte.

 

Fonte: Globo Rural