Bioparques de energia brotam no solo paulista
14-10-2022

Planta de etanol 2 G em construção no bioparque Bonfim, unidade da Raízen em Guariba
Planta de etanol 2 G em construção no bioparque Bonfim, unidade da Raízen em Guariba

Esses parques tecnológicos produzem etanol, energia elétrica, biogás, biometano, biofertilizantes, todos oriundos da cana. O aproveitamento total da matéria-prima insere a cultura canavieira no conceito de economia circular

Luciana Paiva e Leonardo Ruiz

Não é exagero afirmar que nenhum país fez tanto na área da mobilidade quanto o Brasil. Em 1975 criou o Programa Nacional do Álcool (Proálcool) que possibilitou a adição de álcool anidro à gasolina. Em 1978 lançou o primeiro carro movido 100% a álcool, o hidratado. Com isso, o Brasil se tornou pioneiro na adoção em larga escala de um combustível alternativo ao petróleo. Em 1986, os carros movidos a álcool representaram 76,1% da frota brasileira de veículos leves.

Em 2003, o Brasil promoveu outro grande avanço tecnológico da indústria automobilística, lançou o carro com motor flex, que pode ser movido a gasolina, álcool ou uma mistura dos dois combustíveis. Privilégio único dos motoristas brasileiros. Atualmente, 72,7% dos carros que rodam no Brasil são flex.

No primeiro momento, o que impulsionou os investimentos na produção de um combustível alternativo foi a necessidade de diminuir a importação de petróleo. Mas no decorrer do tempo, descobriu-se outras grandes vantagens do álcool de cana – que em 2010 passou a ser denominado de etanol: é renovável, reduz as emissões de carbono em até 90% se comparado à gasolina, combate as mudanças climáticas, protege a saúde da população e, além de fazer o bem, o seu caráter verde pode ser monetizado por meio da comercialização de créditos sustentáveis.

A cana deixou de ser só de açúcar, tornou-se uma mina de energia renovável, elevando a agricultura ao status de salvadora do planeta na questão climática

Para dar sustentação a esse caráter descarbonizante do etanol, em dezembro de 2019 foi criada “A Política Nacional de Biocombustíveis” (RenovaBio), maior programa de descarbonização do planeta, reforçando o compromisso brasileiro com a redução das emissões de gases poluentes que agravam à mudança do clima. Com incentivo ao uso de biocombustíveis, o programa prevê evitar a emissão de mais de 600 milhões de toneladas de CO2 na atmosfera nos próximos 10 anos.

O RenovaBio premia a produção eficiente de etanol com a geração de Créditos de Descarbonização, os CBios. Quanto maior a Nota de Eficiência das unidades produtoras, validada pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), mais títulos podem ser gerados. Papeis que são comercializados na Bolsa de Valores. O programa é regido por metas anuais de redução de emissões estabelecidas pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE). Distribuidoras recebem metas individuais de acordo com a participação no mercado de combustíveis fósseis.

NA RAÍZEN NADA SE PERDE DA CANA

Planta de etanol de segunda geração inaugurada em 2015 no Bioparque Costa Pinto, unidade da Raízen em Piracicaba, SP

As boas notícias não param por aí, percebeu-se que da cana nada se perde. Palha, pontas e resíduos industriais como bagaço, vinhaça, torta de filtro e até cinza das caldeiras se tornam energia e biofertilizantes. Assim, as usinas passaram a ser unidades sucroalcooleiras, depois sucroenergéticas e se preparam para uma nova transformação.

É o que acontece com a Raízen. A maior produtora do mundo de cana, açúcar e etanol, não possui mais usinas, mas bioparques de energia. Amanda Cardoso Lima, gerente Industrial da Unidade Rafard, no interior paulista, ressalta que a economia circular adotada já permite que os resíduos dos processos (torta de filtro, vinhaça, palha e bagaço) se tornem insumos para a produção de novos produtos, como etanol de segunda geração (E2G), biogás, biometano e bioeletricidade. “Nada mais é desperdiçado”, afirma.

A diversificação do portfólio da empresa teve início em 2015, com a construção da primeira planta de E2G do mundo, localizada na unidade Costa Pinto, de Piracicaba, SP. O Gerente de Projetos E2G e Biogás da Raízen, Luciano Zamberlan, explica que o produto é gerado a partir do bagaço proveniente da produção do açúcar e etanol comum, com isso, o E2G permite um aumento de 40% a 50% na produção de etanol sem que seja necessário plantar 1 hectare a mais de cana-de-açúcar.

Bagaço da cana segue para a produção de E2G na Costa Pinto

 “Se pegássemos toda a matéria-prima disponível em nossas 35 unidades agroindustriais, seria possível produzir de 10 bilhões a 12 bilhões de litros a mais por hectare por safra”, informa Luciano. Atualmente, a planta de E2G da Raízen produz 30 milhões de litros de etanol celulósico por ano. O E2G contém a mesma composição química do etanol comum, de primeira geração (E1G), e, portanto, os mesmos usos

Sobre a viabilidade econômica do E2G, o CEO da Raízen, Ricardo Mussa, ressalta que a planta na unidade Costa Pinto não é apenas real, mas também a única do mundo em escala industrial. “Garanto a todos que o negócio é seguro, rentável e replicável.” De acordo com Mussa, até 2024, a companhia espera estar com quatro plantas em operação nas seguintes unidades: Costa Pinto (já inaugurada), Bonfim (Guariba/SP), Barra Bonita (Barra Bonita/SP) e Univalem (Valparaíso/SP). A capacidade de cada nova planta será de 82 milhões de litros, com CAPEX de R$ 1.0 bilhão por planta. “Embora a inauguração dessas três novas plantas esteja um pouco distante, já temos 80% da produção vendida, o que demonstra todo o potencial desse negócio.”

A expectativa da empresa é contar com 20 plantas de E2G em operação até 2030. “Para alcançar esse objetivo, trabalhamos continuamente para solucionar os principais gargalos no suprimento de equipamentos, materiais, insumos e mão de obra, permitindo assim acelerar nossa capacidade de construção de duas para sete novas plantas por ano”, diz Francis Vernon Queen Neto, vice-presidente Executivo de Operações de EAB (Etanol, Açúcar e Bioenergia) da Raízen.

Segundo Francis, os materiais especiais já estão contratados para as próximas plantas. Os equipamentos críticos para as próximas três plantas também já foram entregues ou encomendados. “Firmamos contratos de longo prazo para o fornecimento das enzimas, que devem ter sua produção local no futuro. Foram credenciados novos fornecedores, e os times gerenciais das plantas 2, 3 e 4 já estão contratados e alocados no projeto.”

GUARIBA ENTRA NOVAMENTE PARA A HISTÓRIA CANAVIEIRA

Bioparque Bonfim, unidade da Raízen em Guariba, já conta com fábrica de biogás e, em 2023, a planta de E2G deverá entrar em funcionamento

Guariba, uma das cidades canavieiras icônicas – símbolo da resistência dos cortadores de cana que entraram em greve em 1984, despertando no setor a necessidade de mais direitos trabalhistas aos colaboradores – continua fazendo história ao abrigar o Bioparque Bonfim (ex-usina Bonfim).

Em 2020, na Bonfim foi inaugurada a primeira planta de biogás da Raízen. Utilizando subprodutos do processo industrial (vinhaça e torta de filtro) para a geração de biogás, posteriormente convertido em energia elétrica. A Unidade Bonfim tem capacidade de moagem de mais de 5 milhões de toneladas de cana por ano gerando elevados volumes de vinhaça e torta de filtro. Com isso, a capacidade de geração de energia dessa nova planta é de 138 mil MWh/ano.

A Gerente de Produção Industrial do Bioparque Bonfim, Alessandra Feijó, explica que a vinhaça utilizada na geração de biogás vem da indústria por meio de tubulações, enquanto a torta de filtro, por caminhões. “No local, moto geradores fazem a queima do biogás, gerando energia elétrica e enviando-a para nossa subestação. Em seguida, essa energia segue para as linhas de transmissão.”

Confira explicação de Alessandra sobre a planta de biogás da Bonfim - http://www.canaonline.com.br/conteudo/conheca-a-planta-de-biogas-da-usina-bonfim.html

A Raízen já conta com uma nova planta de biogás em construção, desta vez na Usina Costa Pinto, em Piracicaba. A produção será direcionada ao biometano, um gás oriundo do biogás e que serve como substituto do gás natural, diesel ou gás liquefeito de petróleo (GLP), com potencial para reduzir em mais de 90% as emissões diretas de gases de efeito estufa.

A unidade terá capacidade para produzir 26 milhões de metros cúbicos de biometano por ano. Toda a produção dessa nova planta já foi comercializada para a Yara Brasil Fertilizantes e para a Volkswagen do Brasil, em contratos de longo prazo. A inauguração está prevista para 2023.  A meta da companhia é ter 39 módulos de biogás em operação até 2030. As plantas das unidades de Barra Bonita e Valparaíso devem entrar em operação em 2024.

PLANTA DE ETANOL 2 G EM GUARIBA

Mas ainda no Bioparque Bonfim está em construção uma planta de E2G. Havala Barbosa Reis, gerente de Operações, informa que a planta contará com dois módulos, ou seja, duas unidades paralelas de produção. A que está em funcionamento na Costa Pinto opera com apenas um módulo. Para se ter uma ideia da magnitude do projeto, a obra da planta de Guariba envolve 600 colaboradores diretos (com pico previsto de 1200 pessoas), 2100 toneladas de estrutura metálica, 250 quilômetros de cabos e 45 quilômetros de tubulações e conta com o “coração” da fábrica, um reator com mais de 53 toneladas. A previsão de inauguração é abril de 2023.

Confira mais informações sobre a planta de E2G da Bonfim: http://www.canaonline.com.br/conteudo/em-construcao-planta-de-e2g-da-usina-bonfim-deve-ser-inaugurada-em-abril-de-2023.html

BIOFÁBRICA DE ADUBO ORGANOMINERAL DA RAÍZEN REDUZ EM ATÉ 30% CUSTO DE ADUBAÇÃO

Rica em matéria orgânica e com elevados teores de fósforo, potássio, cálcio e micronutrientes, a torta de filtro tem se tornado um valioso complemento para nutrição das lavouras de cana-de-açúcar. Resíduo proveniente da filtração do caldo extraído das moendas, esse subproduto tem o poder de reduzir o custo de adubação ao mesmo tempo em que melhora os índices de sustentabilidade das empresas, uma vez que diminui a necessidade de aquisição e consumo de adubos químicos.

Paulo Arantes, gerente Agrícola do Bioparque Bonfim, informa que, após a geração na indústria, tanto a torta quanto as cinzas das caldeiras são enviadas para biodigestores para produção de biogás e, posteriormente, energia elétrica. De lá, elas seguem para os pátios de compostagem para tratamento. Nessa área, as cargas são revolvidas para diminuição da umidade. Uma vez atingidos os níveis desejados, esse adubo organomineral é levado para o campo, podendo ser aplicado em área total, sulco de plantio ou nas linhas de soqueira. “Esse processo nos auxilia a fechar parte do ciclo de nutrição na unidade, pois substituímos parcialmente os fertilizantes químicos por subprodutos gerados no processo de produção industrial da usina. Com isso já reduzimos cerca de 30% nos custos com adubação.”

Confira a explicação de Paulo sobre a biofábrica de adubo organomineral: http://www.canaonline.com.br/conteudo/biofabrica-de-adubo-organomineral-da-raizen-reduz-em-ate-30-custo-de-adubacao.html

COCAL IMPLANTA BIOPARQUE DE ENERGIA NO OESTE PAULISTA

A Cocal montou uma fábrica de biogás, utilizando co-produtos da cana - torta de filtro, vinhaça e palha

Crédito: Divulgação Cocal

O estado de São Paulo responde por 60% da produção de cana do Brasil, como maior produtor, é natural seu envolvimento com a evolução do setor. Na época do Proálcool, a primeira destilaria autônoma do programa nacional de álcool, a Alcídia, nasceu em solo paulista, em Teodoro Sampaio, abrindo uma nova fronteira canavieira.

Seguindo essa linha, São Paulo sai na frente com a propagação dos bioparques de energia. Além das regiões de Ribeirão Preto e Piracicaba, a pequena Narandiba, no oeste do estado também é agraciada pela expansão do milagre da tecnologia verde. A Cocal montou uma fábrica de biogás, utilizando co-produtos da cana - torta de filtro, vinhaça e palha – produzindo 33 milhões de m³ por ano. Desse volume, 47% são destinados à geração de energia elétrica (5 MW por hora). O restante é utilizado para produção de biometano e CO2 food grade.

“Produzimos um total de 48 toneladas por dia de CO2 food grade, um produto que é 100% comercializado para empresas de bebidas e refrigerantes. Já os 24 mil m³ de biometano gerados por dia podem atender indústrias, comércios e residências. O biometano tem potencial para substituir combustíveis fósseis em empresas comprometidas com a redução da emissão de CO2. Já temos em torno de oito projetos em testes dentro da companhia para utilizá-lo em nossa frota de veículos”, conta André Gustavo Alves da Silva, diretor-Comercial e Novos Produtos da Cocal.

“Nossa planta é positiva tanto no aspecto ambiental, com uma energia de fonte limpa e renovável, quanto no financeiro”, afirma André

A planta de energia proveniente do biogás gerado a partir de resíduos da cana-de-açúcar (vinhaça e torta de filtro) foi construída pela Cocal, mas a gestão da distribuição de energia será realizada pela Raízen, representando uma parceria inédita entre as empresas no modelo de geração distribuída. A capacidade da planta é de gerar até 35.000 MWh / ano, geração suficiente para atender 660 unidades consumidoras (considerando 53MWh / ano de consumo médio), deixando de emitir anualmente mais de 14 mil ton CO2.

“Nossa planta é positiva tanto no aspecto ambiental, com uma energia de fonte limpa e renovável, quanto no financeiro. Ela está conectada diretamente à rede de distribuição local, isso beneficiará o setor elétrico ao diminuir o carregamento da rede e com maior eficiência energética, além de adiar a necessidade de investimentos em expansão dos sistemas de transmissão e distribuição. E os pequenos e médios empresários locais que entrarem no nosso consórcio receberão uma conta mais barata porque evitaremos as perdas elétricas decorrentes de longos transportes que, lá na frente, seriam adicionadas na tarifa final”, afirma André.

 A aposta da Cocal no biogás é tamanha que, além dos planos para instalação de uma planta na outra unidade do Grupo, em Paraguaçu Paulista, a empresa desenvolve um projeto pioneiro no mundo de rede isolada de gasoduto, o que significa que não está conectada ao gasoduto da malha de transporte. É um mecanismo utilizado quando não há viabilidade econômica e técnica para conectar determinada região nesta malha de transporte. Essa rede será alimentada diretamente da unidade Cocal em Narandiba com biometano para uso residencial, comercial e industrial na região de Presidente Prudente.

André salienta que a empresa sempre acreditou no potencial da cana e seu uso total. O executivo da Cocal observa que a cana pode muito mais, pois se apenas as unidades bioenergéticas de São Paulo transformassem seus resíduos em biometano, seria possível substituir 85% do diesel usado no Estado.

TEREOS AÇÚCAR & ENERGIA BRASIL TAMBÉM TEM SUA PLANTA DE BIOGÁS

Na Unidade Cruz Alta há uma área para a instalação de 14 lagoas de vinhaça para a produção de biogás, esta é a primeira delas

A cidade de Olímpia, no noroeste paulista, não se destaca apenas pelo seu parque termal, com suas águas quentes, conta também com um bioparque de energia, reforçado pela construção de uma planta piloto de biogás na unidade Cruz Alta, da Tereos.

A produção de biogás dessa planta provém da vinhaça – 70% da matéria orgânica da vinhaça é convertida em biogás. A Cruz Alta tem capacidade de moagem de 4,5 milhões de toneladas de cana por ano, é a unidade com maior produção de vinhaça do Grupo, que possui outras seis unidades produtoras.

Com 1 MW de capacidade instalada, 50% do biogás produzido por essa primeira planta são destinados para gerar energia elétrica, os outros 50% serão direcionados para a produção de biometano. Atualmente, a planta está em processo de validação tecnológica. O investimento girou na ordem de R$ 15 milhões. A expansão da operação irá depender dos resultados obtidos. No entanto, a intenção da Tereos é que 100% de sua frota de caminhões canavieiros, atualmente 180, esteja rodando com biometano até 2030.

Confira o depoimento de Jonas, sobre a planta piloto de biogás da Cruz Alta - http://www.canaonline.com.br/conteudo/na-planta-de-biogas-da-tereos-70-da-materia-organica-da-vinhaca-e-convertida-em-biogas-ukf3kk.html

A área destinada à produção de biogás na Cruz Alta tem espaço para a instalação de 14 lagoas de vinhaça como a da planta piloto. Com o sucesso do projeto, o objetivo é implantar as outras 13 lagoas. Para abastecer a frota de caminhões canavieiros será necessário o biometano produzido por seis lagoas. O excedente será comercializado, pode ser em forma de energia elétrica ou biometano, dependerá da demanda do mercado. A proposta do Grupo é centralizar a produção de biogás na Cruz Alta e não instalar outras plantas em suas outras unidades.

A Tereos já realiza testes com caminhões canavieiros movidos a biometano. Até a validação da planta de biogás – a meta é validar ainda este ano – o biometano utilizado pelos caminhões em teste é adquirido de terceiros. Nesta safra, o Grupo já transportou mais de 30 mil toneladas de cana com os caminhões movidos a biomentano.

Confira o depoimento de Jonas sobre o desempenho dos caminhões canavieiros movidos a biometano  - http://www.canaonline.com.br/conteudo/tereos-transportou-mais-de-30-mil-ton-de-cana-com-caminhao-canavieiro-movido-a-biometano-da-vinhaca.html

Na visão de Renato Zanetti, superintendente de Sustentabilidade e Excelência Operacional da Tereos, o setor, que há alguns anos focava apenas no açúcar e etanol, será no futuro prioritariamente um produtor de energia.

E tudo leva a crer que esse futuro será marcado por uma bioenergia ainda mais avançada, como a que utiliza o etanol da cana para a produção do hidrogênio verde, chamado etanol 3 G. A Shell, uma das donas da Raízen, já está investindo nessa tecnologia.

Desse jeito, o futuro da cana segue ao infinito e além.

Fonte: CanaOnline