Bonds de usinas viram pó e tiram o sono de credores
10-03-2016

Ainda que a "sorte" tenha virado para as usinas de açúcar e etanol, diante dos preços mais atrativos dos dois produtos, muitos investidores que apostaram no segmento no passado recente ainda não têm motivos para comemorar. É o caso daqueles que adquiriram títulos de dívida externa emitidos por empresas sucroalcooleiras. Em média, esses papéis valem atualmente menos de 20% do seu valor original, e mesmo os credores com garantias encaram longas batalhas judiciais para tentar executá-las, em geral sem sucesso.
Nos últimos cinco anos, quatro empresas da área emitiram bonds, num valor total que chega a US$ 1,8 bilhão. Atualmente, esses papéis são negociados no mercado por entre 2,5% e 45% dos seus valores originais, a depender da situação financeira da usina e da existência ou não de garantias. Somados, os papéis valem hoje ao redor de US$ 275 milhões.
O motivo desse elevado deságio está nas limitadas chances de recuperação do crédito no longo prazo. Das quatro companhias emissoras, duas entraram em recuperação judicial (Aralco e Tonon Bioenergia) e uma não paga os cupons semestrais há mais de um ano e meio (Grupo Virgolino de Oliveira, o GVO). Apenas a USJ Açúcar e Álcool não deu calote até o momento, mas seus bonds foram contaminados e atualmente são negociados por cerca de 30% de seus valores de face.
Pesa, ainda, o fato de que apenas 25% do valor total emitido pelas empresas têm garantias reais – a maior parte terras, produção agrícola e maquinários. Mesmo esses papéis vêm dando muita dor de cabeça aos investidores, que não conseguem autorização judicial para executar as garantias, conforme especialistas ouvidos pelo Valor. Como são ativos operacionais, deles depende a continuidade da atividade da empresa, explica Guilherme Ferreira, sócio e gestor dos fundos especializados em recuperação de crédito inadimplente da Jive Investments. Por isso, explica, a Justiça brasileira tem negado os pedidos dos credores para executar garantias, sob o argumento de que isso poderia inviabilizar o negócio.
Em um caso incomum, o Bank of New York Mellon (BNYM), agente fiduciário dos detentores dos títulos da Tonon Bioenergia, obteve decisão favorável do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) para assegurar que as garantias (derivados de cana) dadas aos bonds não fossem vendidas e o dinheiro pudesse ser usado pela empresa. No entanto, a Justiça ainda não permitiu que o credor executasse a garantia. Apenas determinou que os recursos obtidos com a comercialização fossem depositados em conta judicial até o julgamento do caso pelo colegiado.
Ocorre que alguns bondholders não entenderam o perfil das garantias oferecidas pelas usinas quando entraram no segmento, avaliou o sócio da gestora Canvas Capital, Rafael Fritsch. "Achavam que eram mais sólidas do que realmente são", disse.
A gestora detém dois fundos de recuperação de créditos inadimplentes (distressed) e pelo menos desde 2010 avalia a atratividade de títulos de açúcar e etanol. "Já olhamos todas as empresas que emitiram bonds", conta Fritsch. No entanto, a gestora vem sustentando a decisão de não entrar nesse mercado. Além da falta de liquidez das garantias, o especialista argumenta que há pouca clareza sobre os planos de viabilidade do segmento e dessas empresas. "Até o momento, foi uma decisão acertada", ressaltou Fritsch.
Na sua avaliação, um título sem garantia vale menos de 10% do seu valor original. "Historicamente, o nível de recuperação desse tipo de crédito é menor que 10%", afirmou.
Já estão abaixo desse nível os dois bonds sem garantia da GVO, que somam US$ 600 milhões e hoje são negociados a cerca de 3% do seus valores originais, e também o bond sem garantia da Aralco, de US$ 250 milhões e que já vale menos de 3%.
"Não tenho dúvidas de que a maior parte desses títulos já está na carteira de fundos de recuperação de créditos inadimplentes. Eles compram por 10% do valor de face e entram na briga para vender por 15%. Para eles, já é um bom negócio", afirma um advogado envolvido em negociações com bondholders.
A dívida das quatro usinas com emissão de bonds – atualmente na casa dos R$ 7 bilhões, considerando o câmbio de R$ 3,90 – é só a ponta de um iceberg que cresceu nos últimos anos. Juntas, elas representam menos de 10% da dívida total do segmento, estimada em R$ 85 bilhões pela consultoria Agroconsult.
Conforme especialistas, o default das emissoras de bonds era uma "morte anunciada". Uma parte dos grupos que emitiram dívida externa, relatam fontes do setor, o fez após já ter estourado seus limites de crédito em bancos. Com o dinheiro captado, "trocaram" a dívida bancária por débitos com bonds em dólar. A guinada da moeda americana do patamar de R$ 2 para os atuais cerca de R$ 4, tornou insustentável o que já era uma dívida elevada.
"Não existe uma experiência anterior que nos permita prever quando esses créditos serão pagos", diz o analista de açúcar e etanol da agência Fitch, Cláudio Miori. O que se tem visto, constata, é que os processos de recuperação judicial têm sido muito longos, com prazo de até dez anos para serem resolvidos. "No Brasil, o número de empresas em recuperação que voltaram à normalidade é muito baixo".
Miori observa que, mesmo que as condições de mercado para açúcar e etanol tenham melhorado, essas empresas terão que ser mais eficientes para se recuperarem.

.Após as turbulências que culminaram no calote bilionário a seus bondholders, as usinas que emitiram dívida em dólar tentam colocar a casa em ordem, agora com um cenário mais favorável nos mercados de açúcar e etanol. Em linhas gerais, a estratégia é recuperar eficiência operacional e, assim, o valor do ativo. O foco é vender as usinas para quitar o endividamento, ainda que com deságios astronômicos.
Mas ainda há um longo caminho a percorrer. O grupo Aralco, por exemplo, o primeiro dos emissores de bonds a pedir recuperação judicial, só deve aproximar sua moagem de cana de sua capacidade instalada em 2019/20. É quando o grupo espera processar 6,5 milhões de toneladas, ante uma capacidade industrial instalada para cerca de 7,5 milhões.
Na atual temporada (2015/16), que terminará em 31 de março, a Aralco processou 4,35 milhões de toneladas de cana, antecipando em duas safras a meta acordada com credores - que previa inicialmente 4,2 milhões de toneladas na temporada 2017/18.
A consultoria DSVC Consultoria e Gestão foi contratada pela Aralco para acelerar a retomada. Desde 2014, os custos anuais do grupo foram reduzidos em 17,5% - de R$ 560 milhões para R$ 462 milhões. A principal alavanca dos cortes foi a folha de pagamento, que encolheu de R$ 106 milhões por ano para R$ 60 milhões, efeito do enxugamento do quadro de pessoal de 4,1 mil para 1,7 mil pessoas. Cada uma das quatro usinas da Aralco, apesar de ficarem muito próximas uma das outras, tinha uma gestão totalmente independente.
Conforme o plano de recuperação judicial aprovado pelos credores, 60% da dívida da empresa será convertida em participação acionária. O prazo dessa conversão é de 15 anos. Se antes disso as usinas do grupo forem vendidas, os credores podem usar os recursos para recuperar seus créditos.
Maior emissor de bonds dos segmento, o Grupo Virgolino de Oliveira (GVO) deu sinais esta semana de que as perspectivas de solução para seu endividamento estão além do longo prazo. A empresa entregou na terça-feira uma proposta de pagamento aos bondholders que prevê a substituição dos atuais títulos por novos bonds com vencimento de dez a 15 anos mais longos que os atuais.
A empresa fez três emissões, que somam US$ 735 milhões, com vencimentos entre 2018 e 2022. E agora, com horizonte mais positivo para açúcar e etanol, tenta impulsionar sua moagem de cana. Neste ciclo 2015/16, a empresa processou 7,4 milhões de toneladas e se prepara para elevar esse volume para 9 milhões em 2016/17. No seu auge, o grupo chegou a moer 11 milhões de toneladas de cana.