Brasil amplia aposta no SAF e mira liderança global em combustíveis de aviação de baixo carbono
26-11-2025
Novo caderno da EPE projeta até 9,1 bilhões de litros de demanda nacional em 2037 e revela que projetos já anunciados podem suprir 27% das necessidades
Por Andréia Vital
O Brasil deu, nesta semana, mais um passo estruturante na corrida global pela descarbonização da aviação. A publicação do Caderno de Combustíveis Sustentáveis de Aviação no Brasil, elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), chega no mesmo momento em que o Ministério de Minas e Energia (MME) abre consulta pública do decreto que regulamentará o ProBioQAV, programa que estabelece metas nacionais de uso de Combustíveis Sustentáveis de Aviação (SAF).
A convergência das duas iniciativas reforça a estratégia brasileira de quadruplicar o uso desses combustíveis até 2030 e consolidar um arcabouço regulatório capaz de atrair investimentos, dar previsibilidade ao mercado e habilitar o país a ocupar posição de destaque na nova economia de baixo carbono.
O documento da EPE atualiza projeções de oferta, demanda, rotas tecnológicas e sinergias industriais, a partir de um mapeamento detalhado dos projetos anunciados e dos volumes adicionais necessários para que o Brasil cumpra suas obrigações domésticas (ProBioQAV) e internacionais (CORSIA, da ICAO). A estimativa é de que, dependendo da intensidade de carbono das rotas de produção, a demanda brasileira de SAF em 2037 varie entre 3,2 bilhões e 9,1 bilhões de litros, sendo 82% destinada ao cumprimento do CORSIA.
A oferta projetada de SAF no Brasil praticamente dobrou em relação à edição anterior do estudo, alcançando 2,1 bilhões de litros por ano em 2030 e 3,6 bilhões de litros em 2035 a partir dos projetos já anunciados. Mesmo assim, essa capacidade representaria, em média, 27% da demanda projetada entre 2027 e 2037. Em 2034, quando todas as plantas já anunciadas devem estar operando, a participação chega a 36%.
Ainda que parcial, essa capacidade é suficiente para garantir o cumprimento integral das metas brasileiras do ProBioQAV e também do CORSIA para as companhias aéreas nacionais, abrindo espaço, inclusive, para que novos projetos atendam operadores estrangeiros e gerem excedentes para exportação.
O estudo da EPE destaca ainda a crescente corrida por financiamento. Em agosto de 2024, BNDES e FINEP lançaram chamada pública com previsão de R$ 6 bilhões para apoiar o desenvolvimento de SAF e combustíveis renováveis de navegação. O interesse superou expectativas: o pipeline de propostas totalizou R$ 75 bilhões em investimentos potenciais, com capacidade projetada de 8,6 bilhões de litros até 2030, quase o equivalente à demanda máxima do país em 2037.
O documento contextualiza o Brasil em meio a um movimento global de expansão acelerada. A América do Norte, por exemplo, já opera 2,8 milhões de m³/ano, com projetos que podem elevar esse número a 17,7 milhões de m³. Na Europa, a capacidade instalada é de 2 milhões de m³/ano, projetada para chegar a 16,8 milhões de m³/ano. A Ásia, por sua vez, possui 3,4 milhões de m³/ano e planeja atingir 14,2 milhões de m³/ano.
Esse crescimento é impulsionado por metas climáticas mais rígidas, políticas de incentivo e créditos regulatórios, como RFS e LCFS nos EUA. A demanda global projetada pela ICAO segue tendência ascendente e deve crescer continuamente até 2050, mesmo com aeronaves mais eficientes.
Um dos pontos centrais do caderno é a sinergia entre a produção de SAF e o diesel verde (HVO). As principais rotas tecnológicas, com matérias-primas variando de óleos vegetais e gorduras residuais a biomassa lignocelulósica, geram simultaneamente ambos os combustíveis, além de coprodutos como BioGLP e nafta renovável.
Essa integração pode dar tração ao Programa Nacional de Diesel Verde (PNDV), previsto na Lei do Combustível do Futuro, que estipula participação mínima de até 3% de diesel verde no diesel comercial a partir da segunda metade da década. Apenas com a operação das plantas de SAF já anunciadas, seria possível produzir 850 milhões de litros de diesel verde em 2034, chegando a 55% da demanda máxima do PNDV em 2037 quando considerados projetos adicionais.
Em sua plenitude, o PNDV tem potencial para reduzir 3 MtCO₂ anuais, equivalente ao plantio de cerca de 21 milhões de árvores.
O caderno também aprofunda o desafio logístico: a produção de SAF é concentrada principalmente no Sudeste, enquanto a demanda se espalha por todo o país, sobretudo em grandes hubs como São Paulo, Brasília e Recife.
Para mitigar essa limitação, o estudo enfatiza o papel do modelo Book & Claim, no qual o biocombustível não precisa ser fisicamente transportado até o ponto de consumo. Em vez disso, certificados digitais atestam o volume sustentável produzido, evitando dupla contagem e garantindo rastreabilidade, desde que existam padrões regulatórios sólidos.
O estudo reforça que as condições do Brasil, com grande disponibilidade de biomassa, forte cadeia de biocombustíveis, experiência acumulada e energia renovável abundante, colocam o país em posição privilegiada para produzir SAF com menor intensidade de carbono que concorrentes internacionais. No entanto, há desafios: custo mais alto das matérias-primas; necessidade de padronização regulatória para Book & Claim; ausência de usinas dedicadas de diesel verde em operação e competição entre produção de SAF e diesel verde por insumos similares.
O caderno pode ser acessado neste link: Combustíveis Sustentáveis de Aviação no Brasil e sinergia com o diesel verde

