Cobertura vegetal desafia terraceamento e reposiciona manejo regenerativo da cana, aponta Jairo Mazza
25-11-2025

Especialista mostra que compactação após o 2º corte derruba infiltração e que sistemas com gramíneas podem gerar até 60 t/ha de biomassa e ampliar uso do perfil do solo

Por Andréia Vital

O Conexão Cana Regenerativa, realizado pela Agrociência a bordo do navio Homero Krähenbühl, em Barra Bonita - SP, reuniu produtores, pesquisadores e usinas em uma imersão técnica sobre práticas regenerativas na canavicultura. Entre os destaques esteve a apresentação de Jairo Mazza, da Athenas Consultoria, que defendeu mudanças estruturais no manejo do solo para aumentar a resiliência dos canaviais.

Mazza iniciou com dados que expõem o impacto da compactação após o segundo corte. Em áreas com 15% de argila, medições de campo mostraram quedas severas na taxa de infiltração: “Toda chuva de verão deixa de infiltrar e corre para o terraço. Não é falta de água, é falta de solo funcionando”, afirmou. Os primeiros testes, cada um com quase cinco horas de duração, foram repetidos diversas vezes após técnicos duvidarem dos resultados, que acabaram se confirmando.

Segundo o consultor, o terraceamento, em muitos casos, é o vilão. Isso porque o alinhamento do tráfego ao desenho dos terraços cria tortuosidades que forçam máquinas a pisar entrelinhas, acelerando a compactação. “Se eu arrumar a linha para acompanhar o terraço, eu mato o canavial. O plantio tem de ser independente do terraço”, disse.

A solução, defende Mazza, está abaixo da superfície. Sistemas com gramíneas de cobertura, como milheto associado à Brachiaria ruziziensis, podem gerar 50 a 60 toneladas de biomassa por hectare, somando parte aérea e raízes. Ele exibiu um exemplo de “moita de raiz” de barba-de-bode com quase 10 kg de terra aderida, evidenciando o poder de estruturação biológica. A lógica é simples: mais raiz significa mais infiltração, mais retenção hídrica e mais ciclagem de nutrientes.

O consultor comparou o terraceamento ao “antitérmico”, que age apenas no efeito, e a cobertura vegetal ao “antibiótico”, que atua na causa. “A cobertura minimiza o impacto da gota, impede crostas superficiais, cria estrutura provisória e evita saturação, porque transpira água para a atmosfera”, afirmou.

A apresentação também confrontou mitos do setor. Mazza chama a cana de “cultura marginal” por ocupar solos que não competem com soja, milho ou café, e critica o temor de mexer o solo profundamente. Segundo ele, solos arenosos não têm estrutura natural a ser preservada, mas sim estrutura a ser criada. Para isso, é necessário “preparo pra valer”, inclusive incorporando calcário a até 55 cm de profundidade. “Se o solo não abraça o calcário, e o calcário não abraça o solo, não há correção de pH. E pH é o maestro da orquestra”, disse.

Ele também mostrou dados de perfis de até 1 metro em usinas do Oeste paulista revelando teores de potássio superiores a 1,5 mmolc/dm³, enquanto recomendações atuais consideram apenas a camada de 0-20 cm. Isso sugere, segundo Mazza, que muitas unidades podem estar aplicando potássio além do necessário, ignorando o estoque real do solo em profundidade.

Outro ponto crítico apresentado foi o déficit hídrico crescente. Mazza citou balanços climatológicos que já registram 400 a 800 mm de déficit acumulado em regiões do Centro-Oeste, reforçando a necessidade de sistemas radiculares profundos para acessar água. Trabalhos clássicos indicam que, mesmo sob déficit elevado, produtividades podem variar de 40 a 100 t/ha dependendo da soma de bases no perfil.

Ao final, Mazza afirmou que o setor pode, no futuro, alcançar plantio direto em cana se conseguir construir canteiros ricos em matéria orgânica e raízes. O caminho, segundo ele, passa por gramíneas, preparo profundo controlado, reorganização de tráfego e abandono gradual do terraçamento tradicional. “Nosso risco tem que tender a zero. A tábua de salvação é a gramínea. Primeiro, fazer a água infiltrar. O resto vem depois”, concluiu.

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