Como a vitória de Trump afeta o agro brasileiro?
07-11-2024
Risco de espiral protecionista com novo presidente eleito nos Estados Unidos desafia o setor, dizem especialistas presidente
Por Camila Souza Ramos — São Paulo
A eleição de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos eleva a possibilidade de o mundo caminhar para uma “espiral protecionista” e de intensificação do modelo de relações bilaterais. Sua vitória pode gerar desafios ao posicionamento do agronegócio brasileiro no mundo, segundo especialistas.
No primeiro mandato do republicano, a guerra comercial travada contra a China acabou favorecendo as exportações de produtos agropecuários do Brasil ao país asiático, já que os importadores chineses tiveram que recorrer à oferta brasileira. Porém, o espaço para que esse efeito se repita agora é limitado.
“Já estamos exportando 37% de nossos produtos para a China. Se houver algum aumento [das exportações agrícolas à China], vai ser marginal, porque outros países também vão se beneficiar. Acho que o efeito disso sobre a exportação agrícola brasileira não vai ser muito grande”, avaliou o embaixador Rubens Barbosa, que liderou a representação brasileira em Londres (1994-1999) e Washington (1999-2004) e hoje preside a Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo).
Durante o governo Trump, de 2017 a 2021, as exportações brasileiras do agronegócio passaram a crescer 20% ao ano, cobrindo o vácuo deixado pela redução das exportações americanas, bloqueadas pela resposta da China às tarifas aos produtos chineses.
Marcos Jank, coordenador do centro Insper Agro Global, ressaltou que o Brasil exporta hoje mais produtos à China do que os EUA, com receitas de exportação ao país asiático de US$ 63 bilhões ao ano, contra US$ 35 bilhões ao ano em produtos americanos à China. “Substituímos os Estados Unidos em soja, milho, carnes e outros produtos”, destacou.
Em sua avaliação, se Trump cumprir com sua promessa de voltar a aumentar tarifas sobre produtos chineses, isso “vai gerar [ao Brasil] mercados adicionais aos que já tem na China”, mas também haverá perdas.
“Podemos perder mercados em outros lugares, porque o comércio internacional é feito de vasos comunicantes. Se os Estados Unidos não venderem para a China, vão continuar vendendo para outros mercados”, afirmou.
Para Jank, a maior ameaça representada por Trump é de uma “espiral de protecionismo de tarifas e de uma política industrial protecionista”. “Isso é uma volta para um passado mercantilista e mais voltado para as relações bilaterais [do que multilaterais]. E a espiral protecionista é ruim para todo mundo”, sustentou.
Segundo ele, o retorno de Trump à Casa Branca reforça a uma reorganização geopolítica não só multipolar, mas do “friendshoring”: que prioriza relações bilaterais baseadas em compartilhamento de valores e visões de mundo, no lugar do pragmatismo comercial. Segundo Jank, há um aumento dos questionamentos por parte dos americanos sobre as relações que outros países mantêm com a China.
“[O friendshoring] vai pegar fortemente, e nos traz o desafio de conversar com os dois lados”, afirmou. Ele ressaltou que o agronegócio brasileiro hoje é composto por muitas empresas americanas e europeias nos ramos de agroindústria, insumos e trading, ao passo em que a China é nosso principal cliente. “Precisamos manter uma equidistância prudente”, defendeu.
Ainda no campo geopolítico, a promessa de Trump de parar de apoiar a Ucrânia na guerra conta a Rússia pode ter impactos limitados ao Brasil, na avaliação do embaixador Rubens Barbosa. “Se houver paz, vai normalizar as exportações do agronegócio da Rússia, e o Brasil é o grande importador de petróleo, gás natural, diesel e trigo da Rússia, então [esse comércio] deve ficar mais fácil”, disse. Porém, ele não acredita que o republicano cortará apoio à Ucrânia imediatamente, nem que isso terá efeito imediato sobre o conflito.
O novo mandato de Trump também terá efeitos macroeconômicos que podem impactar negativamente o Brasil. “Se o Trump cumprir com o que prometeu de aumentar tarifas [de importação], isso vai ser um problema para todo o mundo, porque vai aumentar a inflação nos Estados Unidos, vai aumentar a taxa de juros nos Estados Unidos por causa do déficit público, e isso vai ter repercussão sobre a política econômica no Brasil. O dólar vai subir, as taxas de juros [no Brasil] vão ter que subir, vai ter impacto na inflação”, avaliou Barbosa.
Outro aspecto de uma administração Trump que deve afetar o agronegócio brasileiro é sua posição negacionista sobre as mudanças climáticas e de priorização dos combustíveis fósseis em detrimento do apoio à transição energética, que vinham abrindo espaço para a agenda de biocombustíveis e soluções baseadas na natureza que o Brasil poderia aproveitar.
“Essa agenda agora se enfraquece”, avaliou Jank, que acredita que os Estados Unidos pararão de priorizar políticas relacionadas à mudança do clima em escala global. Barbosa avalia que Trump também deverá se ausentar da COP30, que será sediada no ano que vem no Brasil. “A questão comercial, de meio ambiente e de energia são, do ponto de vista econômico, os efeitos mais negativos para o Brasil”, concluiu o embaixador.
Fonte: Globo Rural

