Conheça a história do berço do plantio direto no Brasil
23-10-2024

Sergio Kasutoshi Higashibara (c) foi um dos pioneiros do plantio direto — Foto: Arquivo pessoal
Sergio Kasutoshi Higashibara (c) foi um dos pioneiros do plantio direto — Foto: Arquivo pessoal

Colônia japonesa no Paraná festeja 50 anos do sistema que revolucionou a agricultura brasileira

Por Eliane Silva — Ribeirão Preto (SP)

Neste 23 de outubro, a colônia de produtores rurais descendentes de japoneses de Mauá da Serra, no norte do Paraná, faz festa, com homenagens, almoço, documentário e visita guiada a museu. A celebração comemora um aniversário muito especial: os 50 anos da adoção no município do plantio direto.

Dia Nacional do Plantio Direto foi instituído no ano passado por meio da Lei 14.609/23. O plantio direto é uma técnica que consiste em não remover a cobertura do solo para realizar a semeadura. É uma das práticas sustentáveis largamente disseminada no cultivo de grãos no Brasil.

“Antes do plantio direto, eu já pilotava trator e era o braçal do meu pai na lavoura de 10 alqueires da família. A gente tinha que gradear o solo, nivelar de três a quatro vezes antes de plantar e já estava ficando insustentável cultivar qualquer cultura aqui porque chove bem na região e essa prática compactava o solo, a água da chuva escorria e formava erosões e voçorocas”, conta o produtor Sergio Kasutoshi Higashibara, um dos pioneiros da colônia, que acompanhou a introdução do plantio direto no município.

Segundo ele, o solo estava tão degradado que muita gente dizia: “terra em Mauá da Serra eu não quero nem de graça”. A introdução do plantio direto mudou totalmente o cenário. Hoje, as terras de Mauá estão entre as mais valorizadas do Paraná e a região tem uma das maiores produtividades de cereais do país.

Higashibara, 72 anos, lembra bem das dificuldades enfrentadas pela colônia antes e também na implantação do plantio direto.

“A salvação para nós veio em 1974, depois que soubemos que um alemão louco de Rolândia chamado Herbert Bartz estava plantando soja desde 1972 com um sistema totalmente diverso, deixando a palha na terra e revolvendo o mínimo possível o solo para lançar as sementes.”

Higashibara conta que, após reuniões, um grupo de produtores da colônia visitou a propriedade de Bartz, que ficava a uma distância de cerca de 100 quilômetros, e decidiu que tinha que copiar o que o alemão estava fazendo se quisesse continuar na lavoura.

Quem tentou plantar soja sem o plantio direto acabou desistindo e se mudando para a cidade, mas dez colonos adotaram o sistema de plantio na palha sem gradear o solo. Mauá da Serra se tornou, então, o primeiro município do país a adotar o plantio direto de forma coletiva.

“No começo foi muito difícil porque faltava informação, a gente não conseguia controlar as ervas daninhas, não tínhamos herbicidas nem máquinas adequadas, mas com persistência e tempo conseguimos melhorar a condição do nosso solo, construir fertilidade e hoje somos referência nacional.”

Higashibara produz soja, milhotrigocevadaaveia e citros em uma área de 350 alqueires (840 hectares). Há cinco anos, decidiu agregar citros aos cereais em busca de uma cultura com renda maior para bancar o crescimento da família. Os filhos Danilo Kendi e Marcelo Teruo trabalham com ele na lavoura.

“A laranja está dando um bom retorno. Exige muito trato cultural para controlar pragas e doenças como o greening, mas para ganhar dinheiro o pomar tem que ter durabilidade”, diz o produtor que tem 80 mil pés e vai plantar mais 40 mil.

Segundo o agrônomo Daniel Marubayashi, que acompanha os produtores de Mauá da Serra há oito anos, 100% deles seguem os passos do plantio direto.

“O sistema foi uma revolução agrícola na região e, posteriormente, no resto do país com benefícios claros em produtividade, qualidade do solo, controle de erosão e sustentabilidade. Com sua adoção, ocorreu um acúmulo de matéria orgânica, alterando a química e a biologia do solo, trazendo aumento da fertilidade e, consequentemente, de produtividade.”

O agrônomo destaca ainda que houve um controle da erosão, redução drástica de ervas daninhas e da dependência de produtos químicos, além de uma melhoria significativa na qualidade de vida dos produtores e na conservação do meio ambiente.

O plantio direto é uma técnica que consiste em não remover a cobertura do solo para realizar a semeadura

Foto: Fernando Dias/ASCOM/SEAPI

Produtividade maior

Mauá da Serra é grande produtora de soja, milho, trigo, cevada, aveia branca, aveia preta, feijão, laranja, caqui, pêssego, cenoura, beterraba, repolho, brócolis, couve-flor, acelga, tomate e pimentão. Nas principais culturas, mantém uma produtividade acima da média nacional.

Na soja, por exemplo, a média de produtividade no município é de 3.600 kg por hectare, contra uma média nacional de 3.239 kg/ha, de acordo com dados da Companhia de Abastecimento Nacional (Conab). No milho verão, produz, em média, 11 mil kg/ha, quase o dobro da média nacional. No milho safrinha chega a 7.000 kg/ha, contra 5.491 kg/ha da média nacional. No trigo, a produtividade média é de 3.500 kg/ha, ante os 2.331 kg/ha da média nacional.

Outro impacto significativo do plantio direto ocorreu no preço das terras agricultáveis do município. Segundo Hernandes Takeshi Kanai, engenheiro-agrônomo do Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná (IDR-PR), um dos fatores que influencia na valorização de terras é a construção da fertilidade do solo.

Hoje, o valor de um hectare para lavoura no município, de acordo com dados da Secretaria da Agricultura e do Abastecimento do Estado do Paraná, é de R$ 164,5 mil por hectare ou 1.370 sacas/ha de soja, considerando o preço de R$ 120,00 por saca. Na região norte do Paraná, a média é de R$ 141 mil por hectare ou 1.176 sacas/ha.

Museu do Plantio Direto de Mauá da Serra (PR)

Foto: Arquivo pessoal

Museu

O plantio direto é tão valorizado em Mauá da Serra que, no aniversário de 30 anos da sua adoção, em 2004, os produtores da colônia japonesa se juntaram para construir o primeiro Museu do Plantio Direto do país.

O prédio foi inaugurado em 2012 em área cedida pela família Uemura, uma das pioneiras na adoção do sistema, e expõe as primeiras máquinas utilizadas na técnica do plantio direto e também um pouco da história da colônia japonesa do município.

O produtor Higashibara diz que é fundamental a preservação da história, que é passada de geração a geração por meio de eventos realizados para comemorar datas importantes. Segundo ele, o museu é um lembrete das dificuldades que foram enfrentadas no passado e do quanto é importante valorizar o trabalho que foi feito.

“Os produtores daqui sabem que devem continuar o legado e procurar melhorar sempre.”

Fonte: Globo Rural