Em fazenda de soja, máquina só engole biodiesel puro
04-07-2024

Máquinas rodam com B100 na Fazenda Sete Lagoas, da Amaggi: biocombustível deixou a propriedade livre de fumaça — Foto: Cibelle Bouças/Valor
Máquinas rodam com B100 na Fazenda Sete Lagoas, da Amaggi: biocombustível deixou a propriedade livre de fumaça — Foto: Cibelle Bouças/Valor

O que a Amaggi tem aprendido desde que passou a usar apenas o biocombustível sem mistura para abastecer equipamentos em uma de suas propriedades

Por Cibelle Bouças — Diamantino e Lucas do Rio Verde (MT)

Amaggi, um dos maiores grupos de processamento e exportação de grãos e fibra do país, acaba de concluir a transformação da Fazenda Sete Lagoas, em Diamantino (MT), em uma propriedade em que máquinas e equipamentos rodam exclusivamente com biodiesel sem mistura (B100). A partir dos resultados desse projeto-piloto, o grupo quer levar o B100 a outras unidades.

“Precisamos primeiro avaliar a operação por alguns meses antes de pedir autorização à ANP [Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis]. Mas a ideia é expandir o mais rápido possível para as outras unidades”, afirmou Juliana Lopes, diretora de ESG, comunicação e compliance da Amaggi.

Com 3,6 mil hectares de área, a Sete Lagoas é a menor das fazendas da Amaggi e também a que fica mais perto da unidade de produção de biodiesel da companhia, em Lucas do Rio Verde (MT), fatores que levaram a empresa a escolher a propriedade para o projeto-piloto. A fazenda produz soja, milho e gergelim, além de ter 800 hectares de vegetação nativa e 400 hectares de áreas de preservação de recursos hídricos.

Aparentemente, não há diferenças entre uma fazenda em que se abastece as máquinas com B100 e uma convencional, a não ser pela ausência quase total de fumaça na operação dos equipamentos. As 28 máquinas — tratores, carregadeiras, motoniveladoras e pás carregadeiras — movidas a B100 são da marca John Deere, parceira da Amaggi no projeto. Na aparência, os equipamentos são iguais aos que se vê na agricultura e na construção e que utilizam combustível fóssil, afirma Bruna Mazzante, gerente de marketing da John Deere. A diferença está na engenharia.

“A John Deere foi procurada em 2022 para avaliar o desenvolvimento de máquinas movidas a B100. O primeiro equipamento foi uma motoniveladora. Agora, estendemos a todo o portfólio da linha verde e da linha amarela”, diz. Segundo ela, o preço das máquinas que usam B100 é igual ao das que rodam com diesel.

O consumo de combustível também é similar. Lopes acrescentou que, segundo testes que ocorreram na Fazenda Itacoatiara e que seguiram o GHG Protocol, as emissões de carbono com o uso do B100 foram até 99% menores do que as de equipamentos que utilizam diesel fóssil.

Na Sete Lagoas, além de usar biodiesel sem mistura, a Amaggi também substituiu a aplicação aérea de fertilizantes pelo uso de bioinsumos. Segundo Lopes, o grupo já usa insumos biológicos em todas as suas 13 fazendas.

A empresa movimenta 20 milhões de toneladas de grãos por ano, sendo 1,5 milhão de toneladas de produção própria, tem capacidade de armazenar 2,7 milhões de toneladas e embarca 5,5 milhões de toneladas. Para transportar essa produção, a companhia utiliza uma frota de mil caminhões e 212 barcaças.

Por ano, a Amaggi consome 120 milhões de litros de combustível. Assim, para cumprir a meta de reduzir as emissões de carbono até 2035 e zerar emissões líquidas até 2050, a substituição do diesel por um combustível sustentável tornou-se essencial.

“Por ser um combustível renovável, o B100 traz um resultado muito interessante nessa questão da sustentabilidade”, afirmou Ricardo Tomckzyk, diretor de relações institucionais da Amaggi. Segundo ele, hoje, o preço do B100 é 9% menor do que o do B14, mas a regulação de preços vai ocorrer com a evolução da demanda.

Amaggi inaugurou sua primeira usina de biodiesel em Lucas do Rio Verde (MT), em 2023. A unidade recebeu investimento de R$ 100 milhões e tem capacidade para produzir 337 milhoes de litros por ano. Atualmente, segundo Elliot Mello, gerente de operações corporativas da companhia, o complexo industrial produz 230 mil toneladas de óleo e 800 mil toneladas de farelo de soja por ano. Todo o óleo da unidade vai para a produção de biodiesel.

O grupo quer usar a planta para atender sua própria demanda e também para abastecer o mercado. No momento, a Amaggi tenta obter a certificação do Renovabio para a usina de Lucas do Rio Verde. A certificação só sai depois de seis meses de operação da fábrica e da conclusão de processos de auditoria da ANP.

Em relação ao consumo próprio, o primeiro grande passo foi a compra de 101 caminhões da Scania movidos a B100. A entrega dos veículos ocorreu entre maio e junho; eles devem começar a rodar uso no fim deste mês.

André Gentil, gerente de vendas de soluções a frotistas da Scania Operações Comerciais Brasil, disse que os modelos que a Amaggi comprou têm autonomia para percorrer de 1,6 mil a 2 mil quilômetros com o B100. “Um caminhão a gás tem autonomia de 650 quilômetros, e o elétrico, de 200 quilômetros”, comparou.

Amaggi também testou o uso do B100 em uma embarcação. No teste, o deslocamento foi de 1.130 quilômetros, em uma viagem de ida e volta entre Porto Velho a Itacoatiara (AM), o consumo, de 120 mil litros de biodiesel, e a carga, de 50 mil toneladas. “Nós já apresentamos os dados à ANP e pedimos autorização para uso nas outras embarcações”, disse Tomczyk. No primeiro momento, serão 12 empurradores.

Em outra frente, a Amaggi testou ainda o uso de veículos elétricos, mas teve dificuldades com a baixa autonomia em relação ao diesel a ao B100. “Para ter carro elétrico na fazenda é preciso ter postos de recarga dentro das propriedades. O consumo de combustível em caminhonetes é menos de 1% do custo total com combustíveis. Frota elétrica daria mais trabalho e não atacaria 1% da nossa missão”, afirmou Lopes.

Os testes da Amaggi com o B100 começaram em março de 2022, na Fazenda Itamarati, a maior da companhia, em Campo Novo do Parecis (MT). “No Brasil, os grãos percorrem um caminho muito longo, e a descarbonização dessa cadeia é um desafio. Só com todos os projetos juntos vai ser possível cumprir o desafio de descarbonização”, disse Lopes.

Amaggi aderiu à campanha da Science Based Targets Initiative (SBTi) em 2021, alinhando-se ao movimento global Race to Zero, da ONU, que busca zerar as emissões de carbono até 2050 para garantir que o planeta tenha um aumento de temperatura de no máximo 1,5°C até o fim do século. Em janeiro deste ano, o grupo entregou ao SBTi um plano para reduzir a pegada de carbono em toda a sua operação e aguarda aprovação.

Como a maior parte dos grãos que a companhia origina sai dos seus 5,6 mil produtores parceiros, ela também criou o programa Amaggi Regenera, de certificação de agricultura regenerativa e de baixo carbono. A iniciativa está em fase de aprovação internacional. O programa inclui a adoção de medidas como plantio direto, uso de bioinsumos, agricultura de precisão e rotação de culturas como parte dos esforços para reduzir as emissões de carbono.

Em suas medidas de compensação das emissões de carbono, Lopes disse que a Amaggi trabalha principalmente com projetos de restauração de áreas, de energia renovável e de agricultura regenerativa. Mas o foco é principalmente reduzir as emissões.

Na parte de geração de energia, a companhia possui seis pequenas centrais hidrelétricas (PCHs), localizadas em Mato Grosso. Ao todo, elas têm uma potência instalada de 93,7 megawatts (MW).

A jornalista viajou a convite de Amaggi, Scania, John Deere e Rota Oeste

Fonte: Globo Rural