Em Goiás, Justiça obriga 156 postos a baixar o preço do etanol
11-05-2018

Segundo juiz, há fortes indícios de que estabelecimentos praticaram aumento de preços “de forma abusiva”

Ivy Farias

O juiz Reinaldo Alves Ferreira, da 1ª Vara da Fazenda Pública Estadual do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO), obrigou 156 postos do estado (veja aqui e aqui) a reduzir o preço cobrado pelo etanol. Segundo as decisões, os estabelecimentos devem manter a margem de lucro em 10,2% sobre o preço do litro do etanol.
As sentenças foram proferidas em novembro do ano passado em duas Ações Civis Públicas (ACP) propostas pela Superintendência de Proteção aos Direitos do Consumidor de Goiás (Procon-GO). Nelas, o magistrado apontou que o aumento da margem de lucro dos postos foi além do “razoável”. Os estabelecimentos recorrem da decisão.
“Não é concebível, numa primeira análise, portanto, entender como razoável o aumento na margem de lucro das Rés de mais de 100% na comercialização do etanol hidratado, em curto espaço de tempo, em pleno período da colheita anual da safra, sem qualquer justificativa, mormente se for levado em consideração que no mesmo período as distribuidoras não aumentaram o preço do etanol hidratado em percentual superior a 3,55%”, escreveu Ferreira.
Em sua análise, o Procon mostrou que a margem de lucro bruto dos postos, por cada litro de etanol vendido, saiu de R$ 0,24 para R$ 0,53, um aumento de 120%, de julho a novembro. No período, o reajuste realizado pelas distribuidoras de combustíveis aos estabelecimentos foi de 3,55% no preço de aquisição do produto.
Segundo a superintendente do Procon-GO, Darlene Araújo, entre julho e novembro de 2017, a imprensa chegou a noticiar que o litro da gasolina poderia chegar a custar R$ 5. Para que os consumidores não abastecessem apenas com etanol, cujo litro custava à época R$ 2,80, os postos aumentaram o valor do combustível para R$ 4,60 em média.
Violação à livre concorrência
Para o magistrado, ao aumentarem de forma “descabida” a sua margem de lucro, diminuindo a distância entre os preços entre os dois produtos, as empresas impediram que os consumidores tivessem a opção de migrar da gasolina para o etanol hidratado.
Isso, anotou Ferreira, praticamente impediu as opções dos consumidores, o que é uma “aparente violação ao princípio da livre concorrência, tudo indicando que para aumentar ainda mais a margem de lucro existente sobre a gasolina e o etanol”.
Pela quantidade de postos envolvidos, o Procon decidiu enviar duas ações civis públicas à Justiça, que tramitam sob os números 5428221.62.2017.8.09.0051 e 5436609.51.2017.8.09.0051.
“Somos um órgão conciliador. Quando há indício de prática abusiva, buscamos analisar se houve um ‘superlucro’ sem nenhuma justificativa. Neste caso, houve elevação da gasolina e do etanol, chegando a ser um dos preços mais caros do Brasil. Não havia outro jeito a não ser acionar o Judiciário”, explica Darlene.
Em novembro do ano passado, 11 funcionários das gerências de Pesquisa e Cálculo e de Fiscalização do Procon-GO trabalharam em conjunto por dez dias para comprovar a discrepância entre os valores praticados pelos postos e o que de fato valia o litro do etanol. “Se não tivéssemos esta interferência do Judiciário, o preço do combustível estaria insustentável para o consumidor”, completa Darlene.
A superintedente ressalta o efeito em cascata que a elevação do etanol causa. “Quando há uma elevação muito alta, tudo encarece. Sabemos que impacta desde a cesta básica até o mercado de luxo, afeta toda a cadeia”, diz.
Sem a liminar de novembro, acredita ela, os preços disparariam de forma indevida já que a política nacional disciplinava apenas os aumentos da gasolina. “Na época, o etanol estava aumentando para R$ 3,39 por litro e, com a decisão, voltou para a casa de R$ 2,80 por litro. Eles fizeram isso porque, com o etanol mais baixo, ninguém ia querer abastecer com a gasolina. Não havia justificativa para subir o preço”, completa.
Mais caro do Brasil
O juiz Ferreira observou em sua decisão que “causa espécie” o fato de Goiânia estar nas primeiras posições no ranking das capitais com o preço do combustível mais elevado, apesar de o estado de Goiás ser um dos maiores produtores nacionais de álcool.
Ele também ressaltou que o preço do etanol hidratado em cidades do interior do estado vem sendo comercializado em valor bem inferior ao praticado pelas empresas em Goiânia. Segundo o magistrado, sabe-se que “os custos dos Postos de Combustíveis localizados no interior do Estado podem ser até maiores do que os de Goiânia, por estarem estes últimos próximos das distribuidoras, não sofrendo os efeitos do preço do frete”.
Para o presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo no Estado de Goiás (Sindiposto), Márcio Martins de Castro Andrade, a liminar é “um retrocesso”. “É uma intervenção estatal na livre iniciativa, no mercado livre”, diz.
“Estamos obedecendo a decisão, mas trabalhamos com as medidas judiciais cabíveis pois muitos associados não conseguem nem pagar as despesas”, pontua. Para ele, cada posto perde em média R$20 mil por mês. “Esta liminar que é indevida”, afirma.