“Estamos animadíssimos com o brasil”, diz presidente da Raízen
19-12-2019

Uma das grandes distribuidoras de combustíveis e principal fabricante de etanol de cana de açúcar do país, a Raízen está otimista com 2020 - bem otimista. Em entrevista concedida ao Valor, o presidente da joint venture entre Cosan e Shell, Luis Henrique Guimarães, disse que os volumes de venda de combustíveis e nas lojas de conveniência já mostram um novo ritmo de crescimento, ao mesmo tempo em que governo e Congresso têm dado encaminhamento às reformas necessárias. “Acho que essas coisas vão acontecer e a gente vai ter um 2020, na nossa visão, melhor do que as previsões”.

Do mesmo modo, as distorções fiscais, que afetam diferentes setores e especialmente a distribuição de combustíveis, também estão na pauta e discussões antes improváveis, como a criminalização do não recolhimento de Imposto de ICMS, chegaram ao Supremo Tribunal Federal (STF). “Há dezenas de empresas no país, e não só no nosso setor, que criaram um negócio que vive de não pagar imposto”, observou.

Há dezenas de empresas no país, e não só no nosso setor, que criaram um negócio que vive de não pagar imposto”

Há quase quatro anos à frente da Raízen, Guimarães foi também presidente da Comgás, distribuidora de gás natural da Cosan. Formado em Estatística, com MBA em Marketing pela Coppead-UFRJ, o executivo tem mais de 20 anos de experiência profissional, a maior parte deles nos quadros da Shell, onde ocupou diferentes posições no Brasil, nos Estados Unidos e na Inglaterra. Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

Valor: Quais são as perspectivas da Raízen para 2020?

Luis Henrique Guimarães: Estamos animadíssimos com o Brasil, 2020 está contratado. Mas deixa eu aterrissar e fazer umas considerações. Nos últimos meses, nos nossos negócios, vimos uma certa mudança no ritmo de crescimento. Os volumes de combustível estão mais firmes, o volume nas lojas de conveniência é maior e, para mim, isso é reflexo de um consumidor com grau de confiança um pouco maior, de juros bem mais baixos. A taxa de 4,5% ao ano se reflete nas empresas, no novo posicionamento dos bancos, que têm muito mais vontade de emprestar dinheiro, e a gente viu o mercado de crédito excelente no Brasil em 2019. Não fizemos nenhuma emissão fora do país. Então, quando olho para a frente, vejo que o Brasil não vai quebrar, já que a reforma da Previdência garantiu que a trajetória da dívida pública esteja no mínimo equacionada. Vejo as reformas estruturais entrando na discussão com outro nível de maturidade, com Congresso e governo encarando esses temas de frente.

Valor: Esse cenário que o senhor enxerga a que o senhor atribui?

Guimarães: A qualidade dos interlocutores do governo também é muito boa. No geral, a gente tem hoje uma capacidade de discussão técnica muito boa. Mas faltam duas coisas para decolar de vez: maior estabilidade regulatória e corrigir a assimetria tributária do Brasil, que continua muito grande em alguns setores em que a Raízen atua. Vejo em outros setores essa questão de resolver primeiro com fiscalização e mais atuação, porque a reforma tributária vem daqui a pouco e é importante, mas a criatividade brasileira é impressionante. A gente tem que, de fato, conseguir coibir o devedor contumaz. Há dezenas de empresas no país, e não só no nosso setor, que criaram um negócio que vive de não pagar imposto.
Um dólar estrutural na faixa de R$ 4 ou um pouco mais não é ruim, porque o país passa a ser mais competitivo”

Valor: Após a Previdência, a reforma tributária seria prioridade?

Guimarães: A reforma é muito importante, mas dá para fazer muita coisa em cima do que já se tem, com a qualidade dos dados da Receita Federal, das receitas estaduais, frete eletrônico, nota fiscal eletrônica. É cruzar os dados e ir atrás, fazer as coisas acontecerem com forçastarefas. Tributo no Brasil é uma diferença competitiva. O Supremo [Tribunal Federal] deu passos importantes nas últimas semanas na discussão sobre a criminalização de quem não paga ICMS. A interpretação é errada entre algumas entidades de classe e empresas, porque não se está dizendo que qualquer um que não pagar imposto será pego, mas sim quem sistematicamente não paga imposto e, principalmente, o ICMS de substituição tributária. No nosso setor, a gente recolhe na refinaria até o posto de combustíveis ou na usina de cana de açúcar até o posto. Então, não posso me apropriar de um imposto que não é da minha atividade e estou recolhendo em prol do governo facilitar a arrecadação. Se isso não é crime, não sei o que é. O Supremo disse que quem se apropriar do imposto, registrá-lo e não pagar sistematicamente, será criminalizado. O Brasil precisa acabar com a herança de que não pagar imposto é bom negócio.

Valor: Então essa decisão representa um salto nessa questão?

Guimarães: Na nossa opinião, sim. O Brasil precisa romper essa barreira em todos os setores, senão a gente não vai voltar a crescer, não vai voltar a gerar emprego formal. Acho que as coisas estão entrando nos eixos. Nunca poderia imaginar que essa discussão de imposto ia estar no STF e da maneira como foi tratada.

Valor: Essa é uma discussão relevante especialmente para a distribuição de combustíveis...

Guimarães: Sim. Há vários casos, de diferentes tamanhos. Em todo setor que tem alto grau de tributação e uma margem que é muito menor, você vai ter esse problema. Tem toda uma discussão de risco Brasil, que é super importante. A gente tem hoje, por exemplo, o único investimento privado em dutos no Brasil, que é a Logum, da Petrobras com a Copersucar e a Raízen. Com a mudança tributária no Rio de Janeiro, o imposto do etanol foi elevado no estado, que tem um incentivo para a produção de etanol em Campos. Então, o volume do duto caiu. Compensa passar de caminhão até Campos, reduzir o imposto em 28% e vender o etanol no Rio R$ 0,50 mais barato, apesar de o duto entregar com um custo de transporte entre Ribeirão Preto [SP] R$ 0,12 menor que o caminhão. Mas o que são R$ 0,12 perto de 28% do ICMS? Temos hoje uma infraestrutura pronta, que vinha transportando muito bem, num mercado que cresceu em 2019, e a Logum perdeu quase 30% de volume de etanol hidratado por causa da sonegação. Nosso país vive um conjunto de distorções, que chamo de assimetria tributária, que depende um pouco de legislação e muito de um esforço de inteligência que, de novo, está pronto.

Valor: O governo está sensível a essa situação?

Guimarães: Acho que em diferentes níveis, sim. No federal, é bastante forte e também em alguns governos dos estados. A falta de dinheiro é a melhor coisa que tem, porque obriga a pessoa a ir atrás do que está disponível. Sinto a preocupação, mas isso precisa virar ação e, à medida que virar, essas empresas que praticam isso vão se afastar do mercado e novos players vão entrar. E haverá mais investimentos. A gente calcula que, por ano, são sonegados R$ 10 bilhões. Em dez anos, são R$ 100 bilhões. Por causa disso, não são feitos investimentos em infraestrutura, que calculamos em mais R$ 100 bilhões. E a redução de custo de logística, em modais de alto volume, traria mais R$ 12 bilhões por ano. Isso somado leva a mais de R$ 300 bilhões só no ramo de combustíveis em eficiência, impostos e investimentos. É um terço da Previdência. Por isso estou tão animado. Acho que essas coisas vão acontecer, o país volta a crescer, a inflação está muito baixa e quando se soma isso tudo, a gente acha que vai ter um 2020 melhor do que as previsões.

Valor: O dólar mais caro preocupa? A tendência é de estabilização em torno de R$ 4 ou mais?

Guimarães: O dólar ajuda e vai ser muito bom se ficar onde está. O Brasil é um país exportador. Quando se olha a necessidade de investimento em termos de infraestrutura e novas privatizações, o dólar mais caro leva o capital estrangeiro a achar que está barato comparativamente a outros países. O efeito inflação, que era a grande preocupação, não veio até agora. Então, ter um dólar estrutural na faixa dos R$ 4 ou R$ 4 e pouquinho não é ruim, porque passamos a ser um país com mais competitividade e barato para atrair o capital estrangeiro e preparado para ser o que somos, uma potência exportadora. Está de bom tamanho e é compatível com uma taxa de juros mais baixa. Tem um outro tipo de capital para vir para cá, o de mais longo prazo, que vai investir na Bolsa, em privatizações e financiamento. Então, quando olho as principais variáveis macroeconômicas, dólar, juros e inflação, quando olho as variáveis de qualidade de quem está nas principais posições de governo e das estatais, quando vejo o consumidor ganhando confiança, apesar de o desemprego seguir como o maior desafio, e se conseguirmos fechar a porta da sonegação, que é a principal a ser fechada, acho que a gente decola.

Valor: As eleições municipais do próximo ano podem trazer instabilidade no trabalho do governo?

Guimarães: O Brasil tem eleição a cada dois anos, então a gente se acostumou com isso. Acho que vai continuar um processo de mudança no modelo de candidatura, no modelo de propaganda, campanhas com custo mais baixo e mais proximidade do eleitor, então não vejo isso afetando Brasília do ponto de vista das mudanças estruturais.

Valor: Não pode atrapalhar a análise da reforma tributária no Congresso Nacional?

Guimarães: Acho que não. O Parlamento está aceitando as discussões que estão sendo colocadas e até trazendo coisas novas.

 

Fonte: Valor Econômico