Governo deveria ter plano de transição, diz dono da Cosan
20-04-2020

Claudio Belli/Valor
Claudio Belli/Valor

Para o empresário, a roda da economia tem de voltar a girar para que os recursos que estão sendo colocados no sistema cheguem ao consumidor fina

Por Stella Fontes, Valor — São Paulo

Dono de um dos maiores grupos empresariais do país, a Cosan, Rubens Ometto acredita que o governo já deveria estar trabalhando em um plano de transição, preparando o terreno para a retomada das atividades que vai ocorrer em algum momento à frente.

Em sua avaliação, a roda da economia tem de voltar a girar para que os recursos que estão sendo colocados no sistema cheguem à ponta, o consumidor final.

“Vejo uma discussão científica e uma discussão econômica. O que não vejo no governo, e gostaria de ver, é um plano de transição”, disse, durante debate virtual organizado ontem pelo banco Credit Suisse.

Para o empresário, o governo foi muito rápido na injeção de dinheiro para ajudar as empresas e é preciso cautela, neste momento, em relação às reformas estruturais, para que os Estados não tirem proveito do momento de crise para resolver problemas do passado, e não causados pela pandemia.

“A quarentena foi importante, a curva já está começando a achatar. Mas vejo que se está dando dinheiro para quem precisa rolar dívida e um dia esse empréstimo vence. A roda da economia tem de voltar a girar e essa é a melhor maneira de fazer esse dinheiro chegar ao consumidor final”, afirmou, acrescentando que não sabe dizer em que momento será possível a retomada, apesar de torcer para que seja no “menor tempo possível.

A elaboração do plano de transição, conforme o empresário, deveria ocupar o foco que hoje está na disputa política entre quem apoia as questões científicas e quem apoia as questões empresariais. “O problema é que vai atravessar a pinguela e pode cair no meio, e ficar sem nenhum dos dois”, disse.

Em magnitudes distintas, os negócios da Cosan, que atua nas áreas de energia e infraestrutura, foram afetados pelas medidas de isolamento social. Conforme Ometto, o consumo de combustíveis caiu 50% no primeiro momento da crise, mas já está se recuperando.

A Cosan é sócia da Shell na Raízen Combustíveis, cujas operações já retomaram o nível de capacidade de 70%. “O consumo está voltando e se equilibrando e a gente consegue trabalhar com esse nível de queda de 30%”, disse.

Na Rumo, braço de logística do grupo, não houve impacto negativo. A companhia atua sobretudo na movimentação de grãos e fertilizantes e tem operado perto da capacidade total.

Na Comgás, distribuidora de gás natural em São Paulo, a queda no consumo foi de 10% a 15%, puxada pelos segmentos industrial e de serviços. “É uma queda, mas nada significativo”. Na Moove, de lubrificantes, o impacto foi maior. Conforme Ometto, houve queda de 50% na demanda e ainda não há recuperação.

Entre as diferentes atividades, a que mais tem sentido os efeitos negativos é a Raízen Energia, com destaque para o etanol. “A produção de açúcar segue firme, com exportações e pequena queda de preços, mas o câmbio ajuda. O problema mais sério é o etanol”, disse.

Diante da queda da rentabilidade do etanol, as usinas tendem a produzir mais açúcar e elevar a oferta global. Mas o efeito nos preços não deve ser relevante já que havia projeção de déficit nesse mercado.

Ometto afirmou que a demanda de petróleo encolheu no mundo com a covid-19 e, com a diminuição do consumo de gasolina no Brasil da ordem de 30%, a Petrobras deve ter de desativar refinarias. A pressão da demanda mais fraca sobre o preço da gasolina, conforme o empresário, levará a estatal a sofrer “muito” e terá efeito também sobre o etanol, cujo preço corresponde a 75% do valor da gasolina.

“Isso machuca muito as usinas, que sofreram bastante com política energética da Dilma e começavam a ser recuperar”.

Segundo Ometto, o setor tem discutido medidas com o governo para mitigar ao menos parte desse impacto.

“É uma guerra, não dá para acompanhar a doutrina de Chicago, porque não existe mercado perfeito em épocas como esta”, comentou. Entre as iniciativas negociadas estão a isenção de PIS e Cofins para o etanol, taxação da importação de combustíveis e a alteração da Cide na gasolina. “É isso que a gente espera que aconteça, mas as decisões do governo estão um pouco lentas nesse sentido”.

Na avaliação do empresário, a maior parte das empresas não terá condições de se manter por muito tempo durante uma quarentena aos moldes atuais e a falta de dados concretos quanto ao alcance da pandemia dificulta a preparação para a retomada. “É preciso ir atrás dos dados necessários. É preciso ser realista. Ninguém vai conseguir segurar essa quarentena desse jeito por muito tempo”, afirmou, acrescentando que há resistência à crise entre os de maior poder aquisitivo, mas não entre os mais pobres.

O mundo após a covid-19, para Ometto, será diferente. “Vai haver desglobalização. Vai acabar esse negócio de mandar fazer na China porque é mais barato. Acho que deve haver uma tendência de protecionismo maior dos países”.

(Conteúdo publicado originalmente no Valor PRO, o serviço de notícias em tempo real do Valor)

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