Governo prevê avanço da Ferrogrão após COP30
07-11-2025
Agronegócio defende que corredor é melhor que estrada; críticos temem desmatamento e questionam viabilidade
Por Tais Hirata e Michael Esquer* — São Paulo
Em meio à Conferência das Nações Unidas para as Mudanças Climáticas (COP30) no Brasil, o governo federal planeja avançar com a Ferrogrão, um dos projetos de infraestrutura mais aguardados pelo agronegócio brasileiro, mas também um dos mais controversos do ponto de vista ambiental.
O projeto, que pretende conectar Sinop (MT) a Miritituba (PA), deve dar seus próximos passos logo após o evento global. No fim de novembro, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) pretende aprovar os estudos, para encaminhá-los ao Tribunal de Contas da União (TCU). O Ministério dos Transportes quer fazer o leilão em 2026, e já planeja em fevereiro um “roadshow” internacional, passando pela China, no qual a ferrovia será apresentada a investidores.
O megaempreendimento deverá demandar ao menos R$ 20 bilhões de investimentos, segundo os estudos - embora analistas estimem que o valor seja maior. O contrato prevê nove anos para licenças e obras e 60 anos de operação.
De um lado, críticos apontam impactos ambientais enormes e questionam a viabilidade econômica da iniciativa. De outro, defensores afirmam que a ferrovia é a opção mais eficiente de escoamento e dizem que o impacto ambiental será compensado e superado por outros benefícios.
Em paralelo ao debate, o Supremo Tribunal Federal (STF) ainda terá que encerrar uma votação necessária para o avanço do empreendimento. Até o momento, já há dois votos que viabilizam o projeto, incluindo o do relator, Alexandre de Moraes. Em outubro, a discussão foi paralisada por pedido de vistas do ministro Flávio Dino. No governo, a previsão é que o placar final dê sinal verde ao leilão.
A votação se dá em torno de ação movida pelo PSOL, que questiona a mudança no perímetro do Parque Nacional Jamanxim, feita pelo ex-presidente Michel Temer em 2016, para viabilizar a Ferrogrão. Em 2021, Moraes travou o avanço do projeto ao conceder liminar na ação. Em 2023, o relator liberou a retomada dos estudos, mas ainda falta a decisão final.
Megaobra prevê ao menos R$ 20 bi e contrato de 69 anos; aporte e risco de demanda ficam com setor privado
Defendida pelo agronegócio há mais de uma década, a Ferrogrão enfrenta forte oposição. Entre críticos estão ambientalistas, indígenas, especialistas e, segundo fontes, a Rumo, empresa de logística da Cosan, cujos corredores concorreriam com a nova rota.
Nesta semana, caravana saiu de Sinop (MT) com mais de 300 representantes de povos indígenas e movimentos sociais com destino a COP 30 para denunciar a ferrovia. A iniciativa da Aliança Chega de Soja, com cerca de 40 grupos.
“Tudo que [outros países] compram aqui, de alguma forma, tem afetado nossa vida. Contaminação de rios e perda da biodiversidade são provocadas por projetos como esse”, disse Viviane Borari, cineasta indígena de Alter do Chão (PA), que participa do movimento.
O desmatamento é uma das principais preocupações em torno da Ferrogrão. Estudo do Climate Policy Initiative (CPI) estima que a ferrovia poderia induzir o desmatamento de 1,2 mil km2 de floresta. O custo associado à emissão de carbono, considerando a precificação de US$ 40 por tonelada de CO2, seria de até US$ 1,9 bilhão - cifra que pode ser maior, considerando preços mais recentes, afirma Gustavo Pinto, analista sênior do centro. “Essa ordem de grandeza não está considerada nos estudos.”
Professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Raoni Rajão diz que o barateamento do transporte com a ferrovia deve estimular o desmatamento. “Se reduzimos o custo, viabilizamos a produção de soja em uma área geográfica maior. Áreas em que antes não se imaginava o produto soja e que, pelo custo de transporte, começam a valer a pena.”
Caso o projeto siga adiante, ele defende a remoção do terminal de transbordo previsto em Matupá (MT) e da pavimentação da rodovia que cruza o Parque Indígena do Xingu. Segundo estudo que ele assina, a ferrovia, ligada a esse terminal e à estrada asfaltada, poderia direcionar fluxo de até 174 caminhões por dia cruzando o parque e a terra indígena Capoto Jarina.


Arte Ferrogrão — Foto: Valor
Rajão, que foi diretor de Políticas de Controle do Desmatamento e Queimadas do Ministério de Meio Ambiente (MMA) entre 2023 e 2024, afirma que seria importante o apoio dos Estados no combate ao desmatamento, com a manutenção da Moratória da Soja (acordo em que empresas se comprometem a não comprar grãos de áreas com desmate), que é contestada em diferentes instâncias, inclusive pelo governo do Mato Grosso. “Não resolve totalmente, mas mitigaria [o impacto].”
Pinto, do CPI, aponta que medidas de mitigação devem incluir maior aderência de políticas para coibir o desmatamento ilegal. Cita ainda a fiscalização de crédito, para garantir que recursos não sejam usados em regiões desmatadas.
Cláudio Frischtak, sócio da Inter.B, afirma que há um efeito de desmatamento até mesmo antes da obra. Estudo da consultoria aponta que, mesmo em fase de projeto, a ferrovia já tem incentivado a apropriação ilegal de terras na região do Jamanxim.
Dados do MapBiomas reunidos pela Inter.B indicam que o desmatamento na região se acelerou de forma desproporcional ao resto do Estado a partir de 2017, quando começaram as audiências públicas da Ferrogrão, até 2021 - nesse período, o asfaltamento da BR-163 também pode ter contribuído, aponta a análise. Já a partir de 2022, o desmatamento caiu, segundo a consultoria, devido à liminar do STF que paralisou o projeto.
De outro lado, defensores rebatem críticas. Rebeca Bianco, diretora de operações da EDLP (Estação da Luz Participações), responsável pelos estudos do projeto, afirma que a Ferrogrão terá R$ 800 milhões em contrapartidas sociais e ambientais. Caso as demandas ultrapassem esse montante, o contrato prevê um compartilhamento de 50% dos riscos ambientais, entre concessionária e governo, enquanto os riscos sociais ficam a cargo do poder público, diz.
Bianco defende que os riscos de desmatamento no Mato Grosso são baixos, porque a área de influência da Ferrogrão já tem zonas abertas suficientes para suprir o aumento da produção. “Há uma grande disponibilidade de áreas já abertas. Já há três vezes mais áreas degradadas com potencial agrícola do que precisaria para o incremento previsto com a ferrovia.”
Além do impacto ambiental, há questionamentos sobre a viabilidade econômico-financeira da ferrovia, diante de outras obras que devem ampliar o escoamento do Mato Grosso, como a duplicação da BR-163, a extensão da Malha Norte da Rumo e outros projetos.
O governo sinalizou que não haverá aportes públicos na Ferrogrão, e que a concessão teria viabilidade só com capital privado. Segundo Bianco, o projeto tampouco prevê compartilhamento de riscos de demanda - caso o tráfego fique aquém do esperado, a empresa terá que arcar com os custos.
Nesse contexto, Frischtak diz que dificilmente haverá apetite do setor privado. “A Ferrogrão é um projeto de enorme complexidade e alto investimento. Não enxergo quem iria bancar isso, principalmente assumindo riscos e custos.”
Rajão concorda e diz que, embora o investimento previsto seja privado, o erário público pode ter que cobrir o custo futuramente, caso os resultados não sejam os previstos, e aponta o risco de se criar um “elefante branco”.
Bianco, porém, diz que a Ferrogrão tende a ser mais competitiva que outras opções de escoamento, e que as projeções mostram uma demanda inquestionável. “A produção tem crescido rapidamente na região. [Em 2024] Tivemos que refazer os estudos para atualizar o avanço acima do previsto.”
Ela também afirma que essas projeções já consideram todas as alternativas de escoamento, incluindo as melhorias na BR-163, o projeto da Rumo, a construção do corredor Fico-Fiol (Ferrovia de Integração Centro-Oeste-Ferrovia de Integração Oeste-Leste) e o ramal de Açailândia a Barcarena.
Para o Instituto Pró-Logística de Mato Grosso, a rodovia não será suficiente para escoar a carga crescente de grãos, e a ferrovia é a opção mais sustentável, pela capacidade maior de transporte. “Em cada comboio de trem, com 120 vagões e 100 toneladas, vamos economizar 270 motores”, diz o diretor-executivo, Edeon Vaz.
A Associação dos Terminais Portuários e Estações de Transbordo de Cargas da Bacia Amazônica (Amport) diz que o projeto é menos pior do que rodovias, pela maior capacidade de transporte. “O que temos que avaliar é se os benefícios serão maiores que os malefícios, o chamado ‘balanço ambiental’, que no caso da Ferrogrão, comparativamente à duplicação da BR-163, são infinitamente mais positivos”, diz Flávio Acatauassú, diretor-presidente da entidade.
Procurados, o Ministério dos Transportes e a ANTT não comentaram o tema. A Rumo também preferiu não se manifestar.
Fonte: Globo Rural

