Medida exige diversificar destinos, mas tarefa é difícil
11-07-2025

País terá problema para realocar produtos no curto prazo, principalmente no caso de manufaturados
Por Lucianne Carneiro, Alex Jorge Braga, Paula Martini e Victoria Netto — Rio e São Paulo
Se a sobretaxa de 50% para as importações brasileiras pelos Estados Unidos intensifica a necessidade de diversificação de destinos pelos exportadores brasileiros, há clareza entre especialistas ouvidos pelo Valor que a tarefa é difícil a curto prazo, especialmente no caso de itens manufaturados.
O ex-secretário de Comércio Exterior do Brasil Welber Barral explica que as compras dos americanos no Brasil vão de produtos primários - minerais e commodities agrícolas - até produtos industriais sofisticados, como aviões e peças de máquinas.
No caso das commodities agrícolas, Barral afirma que esse tipo de produto pode ser adquirido por outros países, “mesmo que por um preço menor”. Já os produtos industriais, principalmente aqueles que são de cadeias produtivas, podem ser mais impactados: “Há, por exemplo, subsidiárias de empresas americanas que exportam peças específicas para os Estados Unidos, esses produtos vão ficar muito comprometidos.”
Diante de uma pauta diversificada nas exportações para os Estados Unidos, a chefe do departamento de análise econômica da UERJ e pesquisadora associada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas FGV Ibre, Lia Valls, diz que que a realocação de produtos para outros mercados não é fácil.
“Nosso principal parceiro é a China, que não compra esses tipos de produtos. Nossa venda para o país asiático está concentrada em commodities. Não vai ser tão fácil desprezarmos o mercado americano e dizer que não nos atrapalha. Não tem como passar rapidamente a venda de um produto para outro, ainda mais nesse momento de incertezas”, afirma.
Parceiros comerciais do Brasil — Foto: Valor
Setores mais expostos
Setores que exportam produtos com maior complexidade industrial e com maior presença nos Estados Unidos são mais expostos, afirma a sócia da Tendências Consultoria Alessandra Ribeiro. Das exportações brasileiras para os Estados Unidos em 2024, 78% estão ligadas à indústria de transformação, enquanto a parcela da indústria extrativa é de 16% e a do agronegócio, de 6%.
Nesse grupo majoritário, há tanto itens com menor complexidade - como suco de laranja processado ou óleo de petróleo - como aqueles de maior processamento. Há segmentos com mais flexibilidade para diversificar destinos, como do suco de laranja. “Em outros, no entanto, esse espaço é menor, como máquinas e equipamentos, forte no setor de energia, e indústria de bens de capital. Não é fácil substituir destinos nesses casos”, diz Ribeiro.
O professor de Direito Tributário Internacional da FGV José André Lopes da Costa defende que a taxação reforça a necessidade de busca por outros parceiros comerciais, mas reconhece as dinâmicas diferentes por setores.
"Cenário não é nada promissor para setores que dependem de exportar aos EUA” — Graça Lima
Produtos agrícolas podem ser redirecionados do mercado dos Estados Unidos para China e nações do Oriente Médio, “problema de segurança alimentar muito grande”. Por outro lado, ressalta que há forte dependência da nossa produção siderúrgica: “O que acho que vai ocorrer é o movimento inverso. É o Brasil começar a procurar outros parceiros para começar a exportar em que ele não tenha esse tipo de sobretaxa.”
Setores que exportam produtos com maior complexidade industrial e com maior presença nos Estados Unidos são mais expostos, afirma Alessandra Ribeiro.
Das exportações brasileiras para os Estados Unidos em 2024, 78% estão ligadas à indústria de transformação, enquanto a parcela da indústria extrativa é de 16% e a do agronegócio, de 6%. Nesse grupo majoritário, há tanto itens com menor complexidade - como suco de laranja processado ou óleo de petróleo - como aqueles de maior processamento.
Suco de laranja
Há segmentos com mais flexibilidade para diversificar destinos, como é o caso do suco de laranja. “Em outros, no entanto, esse espaço é menor, como máquinas e equipamentos, forte no setor de energia, e indústria de bens de capital. Não é fácil substituir destinos nesses casos, diz Ribeiro.
As análises estão divididas sobre qual deve ser a estratégia mais adequada de ação pelo governo brasileiro, se reciprocidade de tarifas, retaliação por medidas para segmentos específicos ou mesmo uma negociação cuidadosa sem reação exacerbada.
Para o vice-presidente do conselho curador do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), José Alfredo Graça Lima, que foi cônsul-Geral em Nova York e em Los Angeles, nada impede que o Brasil recorra à Organização Mundial do Comércio (OMC), como foi mencionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o Brasil fez em outras ocasiões.
Lima acredita que o processo na OMC pode ser aberto “por razões de princípio”, mas tal alternativa só existe depois da entrada em vigor da sobretaxa e que “nada garante” a suspensão das tarifas americanas.
O embaixador avalia que não há muito “para onde correr”, a não ser negociar com os Estados Unidos e modular a resposta: Não tem como passar a venda de um produto para outro nesse momento de incertezas”
“O cenário não é nada promissor para setores brasileiros que dependem de exportações aos Estados Unidos. Tarifas de 50% inviabilizam o comércio. O que está em jogo é o acesso ao mercado americano”, diz.
Esvaziamento da OMC
O esvaziamento da OMC é um entrave à estratégia, mas ocorre justamente como resultado de políticas americanas, afirma a pesquisadora do Laboratório de Análise Política Mundial da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Labmundo/UERJ), Renata Albuquerque. O órgão de apelação, por exemplo, que é a instância superior da OMC, está parado desde 2019.
“Os Estados Unidos têm barrado negociações e impedido que novos juízes assumam o Órgão de Apelação. Isso é particularmente ruim para os países em desenvolvimento, que perdem um espaço teoricamente mais neutro para negociar e denunciar injustiças ou políticas arbitrárias”, diz Albuquerque. Em março deste ano, Trump também cortou o repasse de recursos dos EUA para a OMC.
Para o cientista político e ex-secretário especial de assuntos estratégicos da Presidência da República, Hussein Kalout, tem diferentes instrumentos como alternativas para a adoção de tarifas recíprocas diretas.
“O país pode antecipar o fim de patentes do setor farmacêutico que passará a não poder mais operar no Brasil, o que é um prejuízo enorme. Também pode deixar de exportar minerais como nióbio para a indústria aeroespacial e de defesa dos EUA e deixar de importar petróleo para comprar da Turquia”, afirma.
Opções de reciprocidade
Outra opção, na sua análise, seria a a tributação de dividendos das empresas americanas no país: “Não creio que isso vá afugentar investidores. Qual país emergente vai dar as condições que o Brasil tem hoje? Se forem para a Europa, podem pagar até mais. As opções de outros mercados são limitadas”.
Também conselheiro internacional do Cebri, Kalout defende a importância de se compreender a estratégia de Trump. “Ele inflaciona a atuação dele, sabendo que o país do outro lado não vai aceitar e vai tentar negociar até a taxação que ele achar adequada. Na minha avaliação, Trump está tentando testar a capacidade tática dos negociadores brasileiros e qual o limite das ameaças dele”, diz.
Na avaliação do pesquisador, Trump mistura assuntos de ordem política, como o ex-presidente Jair Bolsonaro e o Judiciário brasileiro, como “alavanca para extorsão comercial”, e o governo brasileiro não pode aceitar os termos: “O Brasil está estudando meticulosamente como pode responder e quer um diálogo. Se eles insistirem nos termos da carta, vão dar com os burros n'água, não vão conseguir avançar um milímetro”.
Ainda segundo Kalout, a medida de Trump “é um tiro também no pé deles”, com impacto direto sobre as empresas americanas que compram do Brasil (como na indústria de aço e automotiva) e maior custo para os consumidores americanos. “Esses setores vão gritar também lá no Trump com a tarifa de 50% e vão passar o custo para o consumidor, o que também gera pressão inflacionária”.
Fonte: Globo Rural