Mesmo com decreto, controle populacional do javali ainda gera dúvidas em SP
04-07-2025

Somando as subnotificações, São Paulo abateu 221 mil javalis em 2024; só 10% da população estimada
Andrea Russo | São Paulo
Uma semana após o anúncio do decreto n° 69.645, que regulamenta a Lei nº 17.295/2020 e que institui diretrizes para controle e erradicação do javali no estado de São Paulo, produtores rurais ainda tentam entender a medida do governo.
A maior dúvida se refere a um trecho do Artigo 5° em que diz que “os proprietários, arrendatários ou ocupantes de áreas prioritárias deverão permitir a entrada de agentes do Poder Público e seus parceiros para realização de ações necessárias”.
Para produtores rurais, esse trecho gera insegurança, porque a lei não deixa claro que é preciso a autorização dos proprietários para fazer o controle do javali em suas propriedades. Em entrevista ao Agro Estadão, o pesquisador do NPC (Núcleo de Pesquisa e Conservação da Fauna), Paulo Bezerra, trouxe esse questionamento dos produtores e informou que isso vai contra a uma lei federal.
Procurada pelo Agro Estadão, a Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo (SAA) respondeu, por meio de nota, que “a norma não autoriza o ingresso de caçadores sem o consentimento dos proprietários, estando alinhada à legislação federal”. A Associação Brasileira de Caçadores Aqui tem Javali, também procurada pela equipe do Agro Estado, informou que é obrigatório ao caçador ter uma autorização por escrito e reconhecida em cartório para fazer o controle em qualquer propriedade rural.
Sobre a obrigatoriedade do controle do javali, a Secretaria de Agricultura explica que nas “unidades de conservação estaduais, o controle é responsabilidade exclusiva do Estado”. Já nas propriedades privadas, a responsabilidade e o custo são do produtor rural. Segundo a associação de caçadores, o valor estimado para o controle de javali varia entre R$ 1 mil a R$ 1.500 por animal abatido.
Áreas prioritárias
Outro ponto ainda não muito claro no decreto diz respeito às áreas consideradas prioritárias. A SAA, em nota, disse que todo o território do Estado de São Paulo é considerado prioritário para o controle do javali, devido à grande população da espécie e confirma que não há uma delimitação fixa de áreas prioritárias. No entanto, um diagnóstico feito em 2022 pelo próprio órgão, dá conta de que há ocorrência de javalis em 407 dos 645 municípios paulistas, ou seja, em 63% deles.
O pesquisador Paulo Bezerra destaca que, nos últimos anos, cresceu a população de javalis em áreas de preservação, o que vem destruindo a fauna e colocando espécies em extinção. “A Secretaria de Meio Ambiente não se compromete em controlar o javali em áreas de conservação, que virou um espaço de criadouro da espécie, que depois migra para as propriedades rurais”, disse.
Informação confirmada por Rafael Salerno, agrônomo e presidente da Associação Brasileira de Caçadores Aqui tem Javali. Ele cita a situação crítica no Vale do Paraíba, onde os animais são atraídos pelo pinhão (semente de árvore muito típica na região). “Os javalis estão acabando com as sementes desta região, comprometendo áreas até mesmo turísticas, áreas de pequenos produtores e alguns parques estaduais estão fechados por conta do animal”.
Rafael ainda destaca a situação crítica em regiões como São José do Rio Preto, Barretos e Pompeia e informa que os javalis estão invadindo áreas de cana-de-açúcar, cultura onde é difícil o controle. “É difícil a autorização de controle em área de cana, definir onde começa uma propriedade e onde termina outra. As usinas têm dificuldade de abrir o controle e isso acaba comprometendo outras áreas no entorno”, explica.
Para o controle nestas regiões de preservação, o pesquisador Paulo Bezerra ainda informou à reportagem, que o Governo de São Paulo, por meio da Secretaria de Meio Ambiente, teria feito uma licitação para o controle de 380 javalis pelo valor de R$ 2 mil por animal abatido. “Um volume insignificante para o tamanho da população de javalis. Esse número teria que subir para 10 mil animais abatidos por ano, porque eles se reproduzem muito rápido, a uma taxa de 8/1 por ano”, calcula.
Sem confirmar esses números e os termos desta licitação, a Secretaria de Agricultura respondeu na nota que a “Unidade de Conservação da Fundação Florestal, órgão vinculado à Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do Estado de SP (Semil), contratou serviço especializado para o monitoramento e controle da espécie, definidas pela Portaria Normativa nº 288/2018. E que a medida é complementar, baseada em critérios técnicos e respaldada por normas estaduais e federais”.
Números do controle de javali
Em 2024, pelo menos 9 mil autorizações para a caça de javali foram emitidas no Estado de São Paulo. Porém, segundo o pesquisador do NPC, o número de animais abatidos no ano passado é superior, chegando em 221 mil javalis, entre notificados e não notificados. “Há uma subnotificação deste controle, porque é burocrático, o peão acaba abatendo sem essa autorização, alguns não têm acesso à informática”, explica.
Ainda assim, diz o pesquisador, esse volume representa apenas 10% da população de javalis no Estado, que está estimada em 2,2 milhões de animais ou, em uma conta mais conservadora, em 1,1 milhão de javalis. Paulo explica ainda que, quando o caçador abate uma fêmea, está reduzindo a população de javali em 248 animais em 3 anos.
Fonte: Estadão