O maestro Landell
30-09-2020
Marcos Landell cuida da afinação e da harmonia de um dos principais programas de pesquisas com cana-de-açúcar do país, o do IAC
Luciana Paiva
Entre o final da década de 1980 e início dos anos de 1990, não era raro um caminhão levando dezenas de trabalhadores rurais estacionar à margem da rodovia Antonio Duarte Nogueira, próximo à Fazenda Experimental de Ribeirão Preto, para dar carona a Marcos Guimarães de Andrade Landell, jovem pesquisador do Instituto Agronômico (IAC), da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo.
Viajar na boleia do caminhão não era problema para Landell, apaixonado pelas pesquisas, não media esforços para acompanhar de perto os experimentos com cana-de-açúcar. Se as usinas eram o melhor campo de aprendizado, então era para lá que Landell se dirigia.
Era uma época em que a cultura canavieira perdia em importância dentro do IAC. Apesar da tradição do Instituto em cana-de-açúcar, que vem desde o final do Século XIX, sua seção de cana havia sido fechada em 1989, e apenas persistiam algumas ações isoladas, tocadas em diferentes pontos do estado. Em Ribeirão Preto, além de não haver veículo próprio para ir até os ensaios, Landell praticamente tocava sozinho na região alguns projetos em cana.
Desde quando cursava Agronomia na Unesp (Universidade Estadual Paulista) de Jaboticabal, onde também ingressou no Mestrado em Produção Vegetal, Landell já tinha uma clareza: queria ser pesquisador. Seu sonho começa a virar realidade em 1981, quando passou no concurso para pesquisador no IAC. No primeiro ano, dedicou-se mais a estudos na área de nutrição, na sede da instituição, em Campinas. Depois começou a participar de atividades de melhoramento genético e em 1983 tornou exclusivo dessa área.
Trabalhava na Seção de Cana-de-açúcar. Um departamento que estava em processo de esvaziamento, com muitos pesquisadores se aposentando ou saindo. Landell era dos poucos novos pesquisadores. “Havia certo desânimo no IAC em trabalhar com cana naquele momento. Apesar de ser o boom do Proálcool, naquela época a Copersucar e o Planalsucar eram muito fortes. Tinham centenas de pesquisadores, enquanto o IAC havia contratado três novos pesquisadores para repor outros três que haviam saído”, relembra.
Participar de apresentações divulgando a importância do melhoramento genético e acompanhar o trabalho realizado por usinas e produtores é rotina para Landell
Já conquistado pela cultura canavieira, Landell participou de um projeto chamado Pró-Oeste, que visava expandir a cultura no Oeste do estado. Conseguiu, junto ao IAC, autorização para o doutorado, que fez em Jaboticabal, em Produção Vegetal, mas com orientação em Melhoramento Genético de Cana-de-açúcar.
Em 1987 pediu transferência para a unidade ribeirão-pretana do IAC. No entanto, esse cenário no IAC de pouca valorização à cultura canavieira colocou o jovem pesquisador em um dilema: era apaixonado pelo mundo das pesquisas, mas havia sido convidado para trabalhar na iniciativa privada, por um salário tentador. O que fazer???
Para a sorte da canavicultura, Landell colocou a paixão em primeiro lugar, optou por continuar no IAC. Afinal, não poderia abrir mão de seus ideais. Porém, se impôs um desafio: “não iria me enterrar no funcionalismo público e me acomodar na estabilidade do cargo, iria desenvolver ferramentas que fizessem a diferença para o setor.”
Momentos das reuniões do Grupo Fitotécnico nos anos de 1990
O RENASCIMENTO DA CANA NO IAC
Um marco importante para o fortalecimento da cana-de-açúcar no IAC aconteceu em 1991, quando Landell e alguns outros profissionais do setor sucroenergético passaram a realizar reuniões técnicas em Ribeirão Preto. “Era na verdade um happy hour, que fazíamos num bar que nem existe mais chamado “Ao Leste do Éden”. Ali discutíamos sobre espaçamento, variedades, modo de plantio, doenças, pragas, ervas daninhas. Saíamos de lá com os bolsos cheios de anotações feitas em guardanapos.” Mas como as esposas dos participantes não estavam gostando muito dessas reuniões no barzinho, passaram a se encontrar no antigo auditório do IAC de Ribeirão Preto. Era o embrião do Grupo Fitotécnico.
O IAC realiza aulas práticas e dias-de-campo para disseminar conhecimento sobre manejo varietal
“Esse grupo foi uma grande universidade para mim e para muitos outros que passaram por lá. Passávamos uma tarde toda discutindo diferentes temas. Aprendi a plantar cana, adubar, dicas diversas, de quebra lombo, como fazer para não estragar cana, aplicação de herbicida. E sempre com reuniões bastante abertas.”
O Grupo foi inspirador para a criação do Programa Cana IAC, no modelo que existe hoje. Mas antes disso, a cana-de-açúcar começou a renascer no Instituto a partir de 1994, quando os trabalhos com a cultura passaram por uma reorganização dentro do Instituto. “Fizemos um projeto e a proposta foi aceita. Novos profissionais foram contratados, cada um em uma linha diferente de atuação, mas todos trabalhando em sintonia, com projetos casados entre si.”
Com a equipe fortalecida, as ações foram redirecionadas. Os projetos antigos, que não tinham relação com a demanda, foram encerrados. Um novo modelo de gestão foi adotado. Hoje, o Centro de Cana tem 14 pesquisadores. Além disso, a equipe também é formada por funcionários públicos, estagiários, pós-graduandos e profissionais contratados. Um grupo que cresceu muito nos últimos onze anos, sob a batuta de Landell.
A valorização da cana-de-açúcar pelo IAC, a dedicação da equipe e a parceria com o setor sucroenergético, foram o combustível que Landell precisava para transformar seu desafio em realidade: produzir ferramentas que contribuam para o desenvolvimento da agroindústria canavieira. Assim, o Centro de Cana IAC transformou-se em uma referência na área de pesquisas canavieiras, realiza trabalho multidisciplinar dentro do Programa Cana IAC que envolve melhoramento genético, ciências do solo, caracterização de ambientes de produção, fitotecnia, manejo de pragas e doenças e estimativa de produção.
O IAC conta com rede de experimentação em 11 Estados brasileiros, com cerca de 160 empresas conveniadas. O resultado dos trabalhos engloba o desenvolvimento de vinte variedades IAC — 19 para o setor sucroalcooleiro e uma para fins forrageiros. O Programa gera também eficientes pacotes tecnológicos, que têm levado a competitividade da canavicultura paulista a outros Estados brasileiros e ao exterior (México, países da América Central e Continente Africano.
Landell está na coordenação do Programa Cana do IAC desde 2005. No dia a dia, cabe a ele manter o time afinado, com projetos inter-relacionados e bem focados. Nesta orquestra de vários talentos, nem sempre o maestro Landell toca os instrumentos, mas cuida para que as pesquisas e a motivação nunca saiam do compasso.
DO ESPETÁCULO DA CANA-GIGANTE AO SUCESSO DO MPB
Visitantes se encantam com as canas-gigantes do IAC
A inovação passou a ser a marca do Programa Cana IAC, com o desenvolvimento de variedades de alta produtividade e a defesa da evolução das práticas de cultivo canavieiro. Disseminar o conceito de que o setor deve sair do lugar comum e abrir espaço no plantel varietal para essas variedades de alto desempenho, passou a ser o novo desafio de Landell que, como um caixeiro-viajante, saiu e sai pelo mundo da cana vendendo a ideia de que é possível produzir mais e melhor. E tudo começa pela adoção de variedades mais produtivas.
Entre as novas variedades com alto potencial biológico estão as: IACSP91-1099, IACSP93-3046, IACSP94-2094 e IACSP95-5000, lançadas em 2007. De acordo com Landell, essas variedades asseguram o ganho de produtividade de 1,5% ao ano. Segundo o pesquisador, é possível obter aumentos de 10% a 30%, se os produtores souberem explorar bem o perfil desses materiais, associando-os ao ambiente de produção adequado.
Dentre essas variedades, a IAC91-1099 e a IACSP95-5000 são as que mais se destacam pela elevada produtividade e concentração de sacarose. Comparadas a materiais bastante cultivados comercialmente, a produtividade da IACSP95-5000 foi superior em 17,7% e a da IAC91-1099 em 11%. Esses valores correspondem uma variação na produção de 120 a 90 toneladas/hectare e de 140 a 95 toneladas/hectare, respectivamente.
No jardim varietal do Centro de Cana, em Ribeirão Preto, sob as condições ideais de cultivo, essas variedades alcançam seis metros de altura e apresentam produtividade superior a 300 toneladas por hectare. As variedades de alto potencial genético do IAC tornaram-se famosas mundialmente ao serem divulgadas pelo meio on-line e chamadas de cana-gigante.
Mas ser variedade famosa não basta, precisa chegar aos canaviais e fazer a diferença. Para isso, era necessário quebrar a resistência do setor em adotar novas variedades.
Ao lançar o sistema de muda pré-brotada, MPB, o IAC revoluciona o setor
Aí o IAC inovou novamente, desenvolveu o sistema inédito que mudou o conceito de plantar cana-de-açúcar: o de Mudas pré-brotadas (MPB) - a tecnologia de multiplicação que contribui para a produção rápida de mudas, associando elevado padrão de fitossanidade, vigor e uniformidade de plantio. Além de reduzir a quantidade de mudas que vai a campo. Para o plantio de um hectare de cana, o consumo de mudas cai de 18 a 20 toneladas, no plantio convencional, para 2 toneladas no MPB.
O novo sistema mudou o conceito de multiplicação de mudas. Até então era usado o método convencional, adotado desde a chegada das primeiras canas ao Brasil, por volta de 1.530, onde abre-se o sulco e põe o colmo semente dentro. Com o MPB passou a colocar a planta. O sistema também incentiva a retomada da formação de viveiros, e ao reduzir o tempo de utilização da cana-muda, facilita a adoção de novas variedades com maior potencial. O MPB também tem um cunho social, pois é acessível do pequeno ao grande produtor.
O IAC iniciou em 2009 as pesquisas de desenvolvimento do MPB, lançado oficialmente em 2012 e que já se tornou um retumbante sucesso e mais um exemplo de que Landell cumpre a promessa de contribuir para fazer a diferença no setor.
ESPÍRITO EMPREENDEDOR E AMANTE DA MPB
Em novembro de 1974 aos 17 anos - a música sempre fez parte da vida de Landell
Um dos diferenciais de Landell entre os pesquisadores é seu dom de ser relações-públicas do Programa Cana e garoto-propaganda das inovações. Ele conta que esse seu lado empreendedor começou na época de faculdade. Veio da necessidade de contribuir com sua família para mantê-lo estudando em Jaboticabal. Ao perceber entre os alunos de faculdade demanda por aulas de inglês, montou com um amigo de república, um curso, isso em 1978. Saía à noite para divulgar o curso e fazer matrícula de quem estivesse interessado.
Também colava cartazes de propaganda nos postes com cola de polvilho durante a madrugada “Aquela escola me deu condição de concluir a graduação e fazer o mestrado. Pude estudar muito, porque tinha condições de me manter. Não tinha muito tempo para jogar bola, mas aquele esforço foi importante para o resto da vida.”
O jovem músico Landell com seu violão de 12 cordas
Nascido em Campinas, Landell chegou a Ribeirão aos três anos, quando seu pai - um engenheiro da Cia. Mogiana de Estradas de Ferro – foi transferido para a cidade. Em 1991, casou-se com Adriana e têm três filhos. O mais velho, Gabriel, já é agrônomo e trabalha em uma multinacional no Paraná. O segundo, Estevão, faz faculdade de Agronomia em Jaboticabal. Já o terceiro, João, ainda não resolveu que carreira trilhar. “Ele me falou que pretende fazer Agronomia, mas não imponho nada”, fala o pai coruja.
Mas Landell não apenas influenciou indiretamente os filhos na escolha da carreira. Como o pai, eles também são apaixonados por música. Os três tocam violão e quando a família está reunida, a sala vira um concerto improvisado. O gosto musical de Landell também veio de berço. Seus pais e avós gostavam muito de música, principalmente música brasileira. Sua mãe tocava piano; e o pai, bandolim.
Em 1990, aos 33 anos, participa de apresentações musicais em Ouro Preto, ao lado do músico Paulinho Brasília
Aos dez anos, entrou no ginásio vocacional, em Batatais, SP. Viajava todo dia para ter aula em tempo integral. Um período rico na sua formação. Foi quando aprendeu a tocar violão e compôs suas primeiras músicas. Landell tem cerca de 150 composições de sua autoria, sendo que parte é de músicas cristãs.
Já participou de vários festivais, inclusive colecionando alguns prêmios, como de melhor letra com a canção “Vila Rica”.
Na sua trajetória de artista musical, Landell compôs músicas românticas para a esposa – como “Simplesmente Dri” e “Toda e Qualquer Forma de Amor” -, cantigas de ninar e desenvolveu um projeto de músicas sobre animais brasileiros, como lobo-guará, bicho-preguiça e urubu-rei. Foram músicas que compôs para ensinar crianças, de maneira lúdica, sobre alguns animais da fauna brasileira. Ele mesmo fazia a pesquisa sobre os bichos, compunha as letras e as músicas, e se apresentava nas escolas. A iniciativa foi muito bem-sucedida. Uma das composições que fez mais sucesso foi sobre o lobo-guará, que é bastante perseguido nas comunidades rurais porque se acredita que ele come galinha nas fazendas. “Mas isso não é verdade, ele come principalmente frutas, diferente do lobo americano que é carnívoro e agressivo.”
“Vila Rica”, composta por Paulinho Brasília (música) e Marcos Landell (letra)
Na correria do dia a dia, acabou deixando a música em segundo plano, até 1996, quando voltou a ter contato com um grupo cristão. “É um grupo sem religião específica, que se reúne na casa dos membros para falar sobre Jesus Cristo. Quem o conhece se sente incomodado com o cristianismo de resultado e a teologia da prosperidade, que empobrece muito a fé. Existem valores que são eternos.” Desde então, Landell retomou a composição de letras e melodias de músicas cristãs.
Sua preocupação é sempre transmitir o que tem de melhor para o outro. Seja em casa, nas letras das músicas, ou no Centro de Cana do IAC, “eu me sinto um grande garçom, para as pessoas virem se servir do que precisam”. No setor sucroenergético, sua vocação é levar o melhor conhecimento para quem está disposto a aprender. “Não faço isso para agradar ninguém, mas por convicção. E como nossa vida é um caminho, temos que ter responsabilidade a cada passo.”
“Apenas te olhar”, por Marcos Landell e José Maria da Costa
Hoje, ao olhar para trás, percebe que sua opção por continuar no IAC há mais de 25 anos valeu muito. “Tenho grande satisfação de ter construído alguma coisa para a agricultura brasileira, para a canavicultura em especial, ao lado de outras pessoas dentro do IAC que também são apaixonadas pelo que fazem.” Para ele, sua principal contribuição no Instituto não foi em criação de tecnologias, mas “semear” nas pessoas mais novas o sentimento de “servir”. A satisfação de oferecer conhecimento e tecnologias a todo um segmento.
“O foco da minha carreira, hoje, é engajar pessoas a se comprometerem com este setor. Se cada uma, dentro de sua área, identificar quais são os gargalos da produção, quais os pontos em que temos de dar saltos, independente da política pública, já estará dando grande contribuição.” Landell almeja em ver o dia em que a agroindústria canavieira consiga se sustentar pela própria produtividade e eficiência. “Felizmente o tempo de concretizar os nossos sonhos já chegou. Estamos no momento de por em prática tecnologias transversais, como MPB, manejo varietal, novas variedades, e praticar a canavicultura dentro de uma nova visão. E quando tudo isso frutificar, toda cadeia da cana-de-açúcar será alavancada.”