Para aumentar lucro, usinas brasileiras aceleram vendas de açúcar
02-09-2016

1) Raízen multiplicou por dez as vendas a termo no segundo trimestre.

2) Biosev vê oportunidade para ampliar geração de caixa na próxima safra.

Depois de alguns anos de vacas magras, as principais sucroalcooleiras estão aproveitando a cotação recorde do açúcar para faturar. O ritmo de vendas é o maior dos últimos anos, fazendo as projeções de lucro dispararem.

Maior exportadora do país, a Raízen Energia, joint-venture da Shell com a Cosan, anunciou ter vendido em junho 954 mil toneladas de açúcar para entrega em 2017. É um resultado dez vezes melhor que o do ano passado, e o maior volume vendido com tamanha antecedência desde 2010, de acordo com os demonstrativos financeiros da companhia. Segunda maior produtora, a Biosev, do grupo Louis Dreyfus, já vendeu perto de 645 mil toneladas antecipadamente, ou 40% das exportações previstas, frente a vendas irrisórias desse tipo em 2015.

A movimentação de vendas ocorre no momento em que os futuros de açúcar em Nova York quase dobraram em relação ao ano anterior, com a demanda projetada para a próxima safra ultrapassando a previsão de produção num ritmo que não se via desde pelo menos o ano 2000. É também a reversão de quatro anos de declínio em que os lucros do setor derreteram, levando quase 50 usinas brasileiras a fechar as portas e 70 a entrar com pedido de falência a partir de 2011.

Agora, com a cotação do açúcar em reais alcançando um valor recorde em julho, quem fechou vendas antecipadas pode vir a contabilizar margens de lucro acima de 50% (o dobro das margens atuais) com exportações na próxima safra, que começa em abril, segundo Arnaldo Luiz Corrêa, associado da Archer Consultoria.

“Está sendo uma oportunidade imperdível”, disse Corrêa em entrevista por telefone.

Ao fim de julho, cerca de 4,3 milhões de toneladas de açúcar da próxima safra brasileira já estavam contratadas na bolsa de futuros de Nova York. Isso corresponde a aproximadamente 16% das exportações previstas, configurando o melhor desempenho nas vendas de açúcar desde pelo menos 2012, quando a Archer começou a monitorar essas transações.

“Os preços estão muito atraentes, sinalizando uma robusta geração de caixa”, disse Rui Chammas, CEO da Biosev, em entrevista por telefone. A Biosev está estudando a hipótese de ampliar a capacidade produtiva de suas usinas de forma a poder destinar mais cana para a produção de açúcar e tirar máximo proveito do momento favorável do produto frente ao etanol. “Este ciclo de déficit produtivo ainda vai gerar oportunidades antes da colheita”, declarou.

A São Martinho, que normalmente começa a negociar sua safra em setembro, já tinha fechado ao fim de junho a venda de 151 mil toneladas de açúcar para entrega em 2017, o que equivale a cerca de 15% de sua produção de cana. O preço médio desses contratos ficou em 19,33 c/US$/libra, segundo informe divulgado pela empresa em 8 de agosto. O açúcar para entrega em outubro caiu 0,7%, fechando em 20,52 centavos de dólar por libra-peso em Nova York. No ano, os contratos futuros tiveram um ganho de 40%.

Aquisições futuras?

O panorama favorável do açúcar fez disparar as ações das sucroalcooleiras listadas na bolsa. As da Cosan, que também tem participação em distribuidoras de combustível, dobraram de valor em relação ao ano passado, frente a um ganho médio de 26% das ações da Bovespa. Os papéis da Biosev também duplicaram de valor, enquanto os da São Martinho valorizaram 60%.

As ações da Cosan subiram 3,3%, alcançando R$ 37,78 às 15:00 desta segunda-feira em São Paulo, maior valor de fechamento desde outubro de 2014.

Para o analista Viccenzo Paternostro, da Credit Suisse, a venda de açúcar pela cotação atual permitirá que os grandes produtores, como Cosan e São Martinho, paguem dividendos maiores e venham a fazer aquisições.

A corrida das usinas para vender talvez seja um sinal de que as commodities agrícolas já realizaram a maior parte do seu potencial de alta. Na opinião da maioria dos analistas, as cotações do açúcar alcançaram o teto. Fiando-se numa média de previsões de analistas compilada pela Bloomberg, os contratos futuros negociados na ICE Futures devem cair para 18 centavos de dólar por libra-peso em 2017.

Na avaliação de João Alberto Abreu, vice-presidente de açúcar e etanol da Raízen, embora um movimento de vendas por parte de especuladores no mercado futuro americano possa causar uma queda da cotação no curto prazo, a perspectiva de um déficit crescente na produção global de açúcar, aliada a uma expansão limitada da produção brasileira, deve manter os preços em patamares atraentes no longo prazo.

Quitando dívidas

A cotação alta também traz esperança a empresas em situação complicada, como a Tonon Bioenergia, que no ano passado entrou em recuperação judicial após cair em inadimplência.

“As margens serão altas no ano que vem, o que permitirá que a empresa reduza suas dívidas”, afirma Antônio Duarte, gerente da DGF Investimentos, gestora de private-equity com participação na Tonon.

O real desvalorizou 33% frente ao dólar no ano passado, quando em meio a escândalos de corrupção e crise política o Brasil enfrentou sua pior recessão em um século, o que elevou o preço interno de commodities que costumam ser negociadas em dólar nos mercados de exportação. Embora a moeda tenha recuperado boa parte do terreno perdido com uma alta de 23% em 2016, inigualada no mundo, a cotação ainda está 26% abaixo da média dos últimos cinco anos.