Presidente da Brasilcom questiona eficiência do RenovaBio e cobra revisão estrutural do programa
16-09-2025

Abel Leitão afirma que é preciso integrar o programa ao mercado internacional de carbono
Por Andréia Vital
O RenovaBio, política pública criada para reduzir emissões de gases de efeito estufa e assegurar previsibilidade ao mercado de combustíveis, chegou a um ponto de inflexão. A avaliação é de Abel Leitão, presidente da Brasilcom (Associação das Distribuidoras de Combustíveis), que participou do painel “RenovaBio em ponto de inflexão: como maximizar valor e mitigar riscos” durante a Conferência NovaCana 2025. O evento acontece nesta segunda e terça-feira (15 e 16) em São Paulo.
Diante de uma plateia formada por executivos, produtores de biocombustíveis e representantes do setor energético, Leitão foi direto: “O RenovaBio é um programa pioneiro e relevante, mas precisa ser revisado com urgência. Da forma como está, não cumpre os objetivos para os quais foi criado”.
Segundo o presidente da Brasilcom, o programa não conseguiu entregar os resultados esperados no âmbito do Acordo de Paris. “Entre 2019 e 2024, o consumo de combustíveis fósseis aumentou. Ou seja, em vez de reduzir as emissões, tivemos o efeito contrário”, afirmou.
Outro ponto levantado foi a estagnação da produtividade da cana-de-açúcar, que não apresenta ganhos há mais de 15 anos. “O RenovaBio não trouxe estímulos reais para aumento de eficiência na produção de etanol a partir da cana. O setor segue paralisado nesse aspecto”, disse Leitão.
CBios: volatilidade e insegurança jurídica
O mercado de CBios, principal instrumento do programa, também foi alvo de críticas. Leitão destacou que os preços desses créditos tiveram alta volatilidade, oscilando de R$ 10 a R$ 204 em poucos anos, com forte intervenção governamental e movimentos especulativos.
“Essa instabilidade inviabiliza qualquer planejamento financeiro das distribuidoras. Para muitas empresas regionais, que não têm a mesma capacidade de repassar custos que as grandes, isso representou um peso desproporcional”, explicou.
A situação levou distribuidoras a recorrerem ao Judiciário. Atualmente, existem mais de 15 liminares ativas e duas ações de inconstitucionalidade contra o programa. “Isso é sintoma claro de que há falhas estruturais. Se o mercado precisasse recorrer tanto à Justiça, significa que não há segurança jurídica suficiente”, completou.
Falta de reconhecimento como crédito de carbono
Outro ponto central da crítica foi a ausência de reconhecimento internacional dos CBios como créditos de carbono. Para Leitão, o programa não seguiu integralmente metodologias globais.
“O RenovaBio não atende ao princípio da adicionalidade, que é básico em qualquer mercado de carbono. Por isso, não conseguimos integrar o mecanismo ao mercado internacional, o que limita sua atratividade para investidores institucionais”, disse.
Segundo ele, isso impede que o Brasil capitalize melhor seus esforços em biocombustíveis, justamente em um momento em que a demanda por créditos de carbono cresce globalmente.
Etanol de milho evitou desabastecimento
Apesar das críticas, Leitão reconheceu que a expansão da produção de etanol de milho foi determinante para evitar uma crise de abastecimento. “Sem o milho, teríamos enfrentado dificuldades sérias para atender à demanda interna de etanol. Foi esse segmento que garantiu o equilíbrio do mercado nos últimos anos”, destacou.
Ele alertou, no entanto, que depender exclusivamente dessa fonte pode ser arriscado para o futuro da matriz energética. “O programa precisa ser capaz de estimular diversas alternativas de produção e assegurar segurança de abastecimento em longo prazo”, afirmou.
Para o presidente da Brasilcom, o RenovaBio deve passar por uma revisão profunda, que inclua sua transformação em um programa de crédito de carbono plenamente reconhecido em nível internacional.
“Se não houver mudanças, continuaremos com um mecanismo que, apesar de bem-intencionado, não entrega resultados concretos. É fundamental integrar o RenovaBio ao mercado global de carbono para garantir sustentabilidade, previsibilidade e competitividade ao setor”, concluiu Leitão.