Proálcool 50 anos: uma referência na produção de biocombustíveis
16-09-2025

José Roberto Simões Moreira e Anselmo Alfredo falam sobre o programa que incentivou a produção de etanol no Brasil e que provocou mudanças no uso da terra
Por *Henrique Giacomin
Em 1975, no auge da ditadura militar e com a crise do petróleo, o governo brasileiro cria o Proálcool. Considerado o maior e mais ambicioso programa de produção e uso de combustíveis renováveis do mundo, o Proálcool tinha como premissa reduzir a dependência de combustíveis fósseis e se tornou um importante marco no desenvolvimento econômico e automotivo brasileiro das últimas cinco décadas.
Hoje, com uma emissão de carbono avaliada em 30%, o uso do etanol é considerado uma alternativa sustentável ao uso da gasolina. Mas, para além da sustentabilidade, o Programa Nacional do Álcool impactou diretamente
a expansão agrícola no País, mudanças no uso da terra, desenvolvimento das usinas sucroenergéticas e o desenvolvimento dos motores flex e a álcool.
Dividido entre diferentes fases, na década de 80, os carros a álcool ganharam uma enorme popularidade e se tornaram o maior número de veículos adquiridos no período. Nos anos 90, com problemas no abastecimento do etanol, o programa entrou em crise. Uma renovação do programa ocorreu na primeira década do milênio, especialmente quando, em março de 2003, com o lançamento do Volkswagen Gol 1.6 total flex, foram introduzidos carros capazes de rodar tanto a gasolina quanto a etanol.
Fonte : biodieselbr
De origem econômica
José Moreira, professor sênior do Instituto de Engenharia e Ambiente da Universidade de São Paulo, explica que o Proálcool foi criado por razões puramente econômicas, atreladas ao primeiro choque do petróleo e ao déficit da balança comercial em decorrência da importação do produto. Sobre o ano de 1975, que marca o início do programa, comenta: “Realmente começou, já naquele ano se aumentou a plantação de cana, mas obviamente o etanol em maior quantidade apareceu um ano depois. Você plantou em 75, então em 76 começou a aparecer o álcool”.
Moreira comenta a participação do setor privado em parceria com o governo na expansão da produção de etanol no Brasil. Segundo ele, o papel da administração pública no subsídio da produção do biocombustível foi fundamental.
Sobre a origem do programa, o professor Anselmo Alfredo, do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, traz uma visão crítica: “Mesmo a produção automobilística do carro a álcool, na verdade, foi uma forma para constituir o mercado consumidor do Proálcool. Isso vem para mobilizar esses capitais parados que se constituem como capitais financeiros no momento em que a crise do petróleo vai ser uma crise da reprodução do capitalismo produtivo urbano industrial, que vai se tornando um capital financeiro, que é um capital que circula na esfera financeira em busca de ativos, mas não tem trabalho para produzir valor”.
Do campo
Com o incentivo à produção de álcool foram muitas as mudanças no uso da terra. A cana, que antes do Proálcool ocupava 15% das terras produtivas paulistas, chegou a ocupar 40% desses territórios em 1985, cerca de 2 milhões de hectares.
Ambos os professores entrevistados problematizam, em diferentes níveis, as mudanças no uso da terra decorrentes do Proálcool. Destacam ainda a importância que o programa teve na expansão agrícola e o impacto no deslocamento de plantações antes destinadas à produção de alimentos.
Alfredo comenta que áreas antes dedicadas à produção de cana são hoje áreas produtoras de produtos como soja, milho, ervilha e outros. “A ditadura militar teve um papel fundamental na incorporação do capital financeiro, na articulação da reprodução da riqueza nacional, concentração de terra, encarecimento da vida, financiamento estatal e expansão dos negócios financeiros com a sociedade pagando isso. A propaganda de um acesso maior do consumo, da mudança de matriz energética, obscureceu os interesses ligados ao capital financeiro que naquele momento exigiam a reconcentração da terra, a eliminação do trabalho familiar, a produção agrícola familiar nesse processo e nessa área.”
Por parte de Moreira, o comentário é guiado pelos avanços tecnológicos e expertise adquiridos durante o período de implementação do programa: “Toda essa pujança da agricultura brasileira no campo, eu diria que foi produzida pelo etanol. Hoje o Brasil é líder em soja, é o maior exportador de soja do mundo, não é o maior produtor, mas é o maior exportador de soja, de milho também ele é o maior exportador, ainda perde em produção. A agricultura brasileira era extremamente incipiente em 1975, então muita gente atribui a habilidade de fazer plantações em grande escala ao que se aprendeu com a cana. A cana exige áreas grandes, então ela foi um indutor. Hoje o agronegócio é filhote do que ocorreu com o programa”.
Aos carros
Moreira fala sobre a importância do programa e de empresas como a Bosch, Magnetti Marelli, Volkswagen e Fiat no desenvolvimento dos motores a álcool e flex. Entre 1985 e 1986, 95% dos carros vendidos no País eram movidos a álcool. O primeiro choque e balanço do programa ocorreu também nesse período, quando a produção do etanol não foi capaz de acompanhar a demanda e muitos dos carros ficaram parados devido à falta de etanol nas bombas.
A criação do carro flex é ainda um importante ponto nesse sentido. Com a nova tecnologia, além da oportunidade de rodar com biocombustíveis, os motoristas ganham a possibilidade de escolher qual produto usar, acompanhando assim a mudança nos preços entre a gasolina e o álcool.
Críticas e questionamentos
É discutível a real redução de emissões provenientes do uso do etanol, considerando questões como o desmatamento para a produção de cana-de-açúcar, o uso de fertilizantes à base de petróleo e o uso de diesel pelos caminhões que transportam o produto. Alfredo comenta o fato de o Proálcool ter sido um programa deficitário e que hoje ainda perduram os subsídios no setor sucroalcooleiro. “A crítica que se fazia era uma crítica da superexploração do trabalho do cortador de cana. Hoje nem cortador de cana nós temos mais, tamanho o desenvolvimento das forças produtivas do setor. O que vai se constituindo numa tentativa de justificar a sua existência é o ambientalismo. Não é que nós não sejamos a favor da proteção ambiental, da proteção da natureza, da conservação dos recursos ambientais, mas isto é uma coisa, outra coisa é o ambientalismo, é o discurso ambiental que se faz para justificar exatamente a destruição da natureza. Então álcool é menos carbono, álcool é uma energia limpa, o que não é verdade.”
Já Moreira ressalta o sucesso do programa no desenvolvimento econômico brasileiro, mas questiona o investimento em etanol, considerando os avanços no setor automobilístico, principalmente com o advento dos carros elétricos. “Eu acho que o risco dos veículos à bateria é sério, é alguma coisa que precisa pensar, precisa realmente fortalecer esses contatos com a Índia, achar mais parceiros, mais gente fazendo, se houver um mercado internacional grande. É preciso cuidado, você não pode fazer nicho de mercado. Achar que o Brasil vai para essa linha e vai vender para sempre, para a mesma pessoa, é ignorar a evolução tecnológica.”
*Sob supervisão de Paulo Capuzzo
Fonte: Jornal da USP