Problema pode se arrastar para 2016
23-03-2015

Além de elevar o risco de apagões, a decisão de não decretar racionamento de energia neste ano trará consequências para 2016, quando a economia pode dar os primeiros sinais de recuperação.

Os especialistas não descartam a possibilidade de a estratégia do governo --baseada na redução do consumo, por meio de campanhas, tarifaço ou recessão-- ser bem-sucedida para 2015.

Como não há registro de situação semelhante, eles não conseguem estimar qual será o comportamento do consumidor. Ainda assim, dizem que é grande o risco de o problema se arrastar para 2016.

"Se o governo não decretar um corte de pelo menos 10%, vamos chegar ao fim deste ano com os reservatórios muito baixos, aumentando a chance de racionamento em 2016", diz Adriano Pires, diretor do CBIE (Centro Brasileiro de Infraestrutura).

Sem redução na carga, cresce o risco de se chegar em novembro, fim do período seco, abaixo do limite de 10% de armazenamento, mais seguro para a operação. Segundo a PSR, esse risco seria de 21% no Sudeste, mesmo sem crescimento na demanda.

"A consequência imediata é a postergação do problema para o ano seguinte. Com os reservatórios em 10% em novembro e um período úmido desfavorável, o risco de decretar racionamento em 2016 pode chegar a 50%", diz Priscila Lino, consultora da PSR.

Na avaliação de João Carlos Mello, da Thymos, para chegar a 2016 com segurança, o ideal seria cortar 20% a partir de junho --o mesmo percentual de redução determinado na crise de 2001.

"Sem racionamento, só há duas saídas: ou mercado reduz o consumo ou chove. É aí que mora o perigo. Pode ir em frente [sem racionamento], mas o arrependimento é grande. Podemos chegar num ponto em que não haverá como operar o sistema", diz.

Luiz Pinguelli Rosa, da UFRJ, vê a necessidade de um corte entre 10% e 20%. "E, quanto mais tarde se decretar, maior terá de ser o corte."


Apagão de confiança

Um racionamento de 10% de energia pode provocar uma redução de 0,5 a 1,5 ponto percentual no PIB de 2015, segundo economistas.

Com esse corte, as estimativas para o PIB vão de -1% (estimativa da consultoria LCA) a -2% no caso da Tendências. O Credit Suisse, no início de fevereiro, estimou contração de 1,5%.

O impacto seria bem menor do que em 2001. Em abril daquele ano, a expectativa de crescimento para o PIB era de 4%, segundo o boletim Focus. Houve expansão de 1,3%. O impacto, portanto, seria de de até 2,7 pontos percentuais.

"Não é o racionamento que vai inibir a indústria. É o enfraquecimento da indústria que vai evitar o racionamento", afirma Fábio Silveira, economista da GO.

"É claro que um racionamento afeta a atividade, mas, do jeito que a economia está, o impacto pode ser que não seja tão significativo", diz Francisco Pessoa, economista da consultoria LCA.

Para Pinguelli, os efeitos da desaceleração da indústria sobre o consumo já está dado. "O consumo da indústria já estava fraco. O que fará a diferença é o consumo das famílias", afirma.

Pessoa também diz que, dependendo do tamanho do corte, a expectativa poderá ser pior do que o próprio racionamento. "O apagão de confiança é pior do que o racionamento de energia."

Incertezas sobre cortes obrigatórios no consumo estão, inclusive, adiando projetos de eficiência energética em grandes indústrias, segundo a Folha apurou.

Como as empresas não sabem quando um racionamento pode ser decretado e qual seria o critério, elas temem reduzir o consumo voluntariamente e ficar com uma base baixa suscetível a cortes. Em 2001, a média de consumo dos três meses anteriores ao racionamento foi a referência para determinar os cortes.

Tatiana Freitas