Recuperar o agronegócio da Venezuela exigiria US$ 3 bi anuais
26-02-2019

A situação do agronegócio entrou em colapso ao longo da última década na Venezuela, segundo o Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA). Há queda acumulada na produção de arroz (61%), milho (67%), cana de açúcar (69%) e sorgo (94%) desde 2008. O país tem hoje 3,4 milhões de cabeças de gado a menos - com alta incidência de febre aftosa e tuberculose. O cultivo de café diminuiu de 96 mil para 14 mil hectares.

Em parceria com associações de produtores locais, que formam a Rede Agrolimentar da Venezuela, o IICA expôs ao governo brasileiro um plano de reconstrução do setor no país vizinho.

O planejamento indica a possibilidade de recuperar a produção interna, mas ressalta que antes seria preciso gastar maciçamente em "importações de emergência": cerca de US$ 3,2 bilhões em 2019 e outros US$ 3,1 bilhões a US$ 3,5 bilhões em 2020. O consumo médio de proteína dos venezuelanos fica em torno de 50% do recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). A ingestão diária de calorias fica 30% abaixo do ideal.

O programa desenhado para reerguer a produção agrícola venezuelana prevê ainda a necessidade de aportes em torno de US$ 1,5 bilhão para permitir uma "arrancada vigorosa". Esse dinheiro iria para duas frentes: insumos (sementes, fertilizantes, defensivos, micronutrientes) e maquinário (tratores, colheitadeiras, implementos, autopeças de reposição e equipamentos elétricos).

O diagnóstico independe da situação política e da continuidade de Nicolás Maduro no poder. No entanto, obviamente é de execução pouco factível sem troca de regime no curto prazo.

Entre as medidas elencadas para reerguer o agronegócio, no médio prazo, estão um inventário detalhado de bens de indústrias alimentícias e a estruturação de novos marcos legais. "Em alguns casos, são necessárias mudanças legais urgentes", afirma um documento preparado pela rede de associações, citando garantias sobre a propriedade da terra. Sem isso, não haveria confiança dos produtores em investir. O documento chama a atenção para alterações imediatas nas políticas de preços, comercialização e distribuição.

O argentino Manuel Otero, diretor-geral do IICA, chegou no fim de semana a Brasília para reuniões com autoridades e pretende discutir em profundidade a crise venezuelana. Otero terá encontros com os ministros Osmar Terra (Cidadania) e Gustavo Canuto (Desenvolvimento Regional), com o secretário-executivo do Ministério da Agricultura, Marcos Montes, dirigentes da Embrapa e da Organização de Cooperativas do Brasil.

Estima-se que 22 milhões de cidadãos venezuelanos dependam hoje da entrega de alimentos pelo Estado para sobreviver.

O sistema de distribuição funciona com um controle social, como o "carnê da pátria", para ter acesso às cestas "Clap", disponíveis apenas em centros de assistência do Estado e com 100% de produtos importados. A balança comercial tem US$ 10 bilhões de déficit anual só com alimentos.

Rede Agroalimentar da Venezuela é integrada por associações como Fedenaga, Fedeagro, Cavidea, Acción Campesina e entidades de pequenos produtores. (Valor Econômico 26/02/2019)