Seca e fogo atrapalham, mas moagem segue maior-
24-09-2024

BOLETIM CANA30: Reflexões dos fatos e números do agro em agosto/setembro e o que acompanhar em outubro

Por: Marcos Fava Neves

Na cana, o processamento acumulado da safra até 1º de setembro, totalizou 422,6 mi de t, um crescimento de 3,9% em relação às 406,6 mi de t processadas no mesmo período da safra anterior. No entanto, na 2ª quinzena de agosto, a moagem foi de 45,1 mi de t, uma queda de 3,2% comparada às 46,6 mi de t do ciclo 2023/24, segundo dados da Unica (União da Indústria de Cana-de-açúcar e Bioenergia). Até o final de agosto, 258 usinas estavam em operação no Centro-Sul, das quais 239 processavam cana-de-açúcar, 9 fabricavam etanol a partir de milho e 10 eram flex.

A qualidade da matéria-prima, medida pelo ATR (Açúcares Totais Recuperáveis), foi de 155,3 kg/t na segunda metade de agosto, um aumento anual de 0,9%. Já no acumulado da safra, o ATR foi de 137,3 kg/t, praticamente estável. O mix de produção acumulado até 01/09 foi de 49,15% para o açúcar (queda anual) e 50,85% para o etanol (alta). Enquanto isso, na última metade de agosto o mix foi de 48,85% para o adoçante (queda) e 51,15% para o biocombustível (alta).

É importante ressaltar que esses dados ainda não refletem totalmente o impacto das queimadas nas lavouras do Centro-Sul, principalmente em São Paulo, onde os incêndios foram mais intensos após o dia 22/08. Um levantamento da Unica, que abrange cerca de 75% da produção paulista, apontou que 231,8 mil ha foram afetados, sendo 132 mil ha de áreas que não haviam sido colhidas e 99,8 mil ha de áreas já colhidas ou em estágio inicial de plantio. Nas áreas já colhidas, há risco de falha na rebrota e replantio e novos tratos culturais podem ser necessários, como adição de fertilizantes e herbicidas. Em locais ainda não colhidos, há perda de qualidade da matéria-prima e possíveis atrasos na colheita. Esse cenário tende a dificultar a produção de açúcar e diminuir a eficiência agrícola.

A Organização de Associações de Produtores de Cana do Brasil (Orplana) divulgou que os prejuízos dos produtores com os incêndios já chegam a R$ 1,2 bi, porém, é um valor que será constantemente reavaliado, uma vez que os focos continuam e a seca tende a se estender até o final de setembro. Apenas na 2ª quinzena de agosto, os incêndios atingiram cerca de 400 mil ha de cana-de-açúcar no Centro-Sul, de acordo com o Centro de Tecnologia Canavieira (CTC). O clima seco gerou um déficit hídrico de mais de 1.000 milímetros entre abril e agosto de 2024. Esse cenário já vinha reduzindo a produtividade agrícola, que caiu 13,7% em agosto, com um rendimento de 78,7 t/ha. No acumulado da safra, a queda foi de 7,4%, com 86,4 t/ha.

No açúcar, a produção na 2ª quinzena de agosto caiu 6,0%, totalizando 3,3 mi de t. Entretanto, no acumulado da safra, a produção já somou 27,2 mi de t, um aumento de 3,9% frente o ciclo passado (26,1 mi de t), de acordo também com a Unica.

Em relação as exportações brasileiras, o volume foi recorde em agosto, tendo alcançado 3,2 mi de t (+8,2%) e o equivalente a US$ 1,79 bilhão (-0,9%). A queda na receita mesmo com a quantidade recorde foi causada pela forte oferta do Brasil que impactou o preço médio, chegando a US$ 457,0/t (-8,4%), de acordo com a plataforma Agrostat do Mapa.

A produção de açúcar no Centro-Sul para a safra 2024/25 deve ser quase 9,0% menor do que o inicialmente previsto, em razão da seca severa e incêndios, segundo análise da Czarnikow. A empresa agora projeta uma produção de 39,2 mi de t, uma redução de mais de 7,0% em relação ao recorde alcançado na safra anterior, embora ainda seja o segundo maior volume da história. Enquanto isso, os estoques de açúcar deverão atingir o menor nível desde a temporada 2020/21, ficando abaixo de 2,0 mi de t.

Em função das queimadas no Brasil, os preços do açúcar em Nova York voltaram a crescer nos últimos dias. Na data de fechamento da nossa coluna, o contrato out/24 estava em 20,79 centavos de dólar por libra-peso. Um pouco mais adiante, o contrato de mar/25 era cotado em US$ 21,15 cents/lb. Em Londres, o açúcar branco estava em US$ 557,00/t no contrato de out/24; e em US$ 555,10/t para mar/25. No Brasil, o Indicador Açúcar Cristal Branco São Paulo (Cepea/Esalq) estava em R$ 141,44/sc (60kg), alta mensal de 6,0%.

No etanol, a fabricação desde o início da safra 2024/25 atingiu 20,5 bi de litros, um aumento de 7,1%. Desse total, 13,0 bi de litros são de etanol hidratado (+16,3%) e 7,5 bi de litros de etanol anidro (-5,8%). Na 2ª metade de agosto, a produção de etanol somou 2,4 bi de litros, sendo 1,6 bi de litros de hidratado (+10,3%) e 888,9 mi de litros de anidro (-0,1%). A produção de etanol de milho também aumentou, totalizando 3,1 bi de litros no acumulado da safra, um avanço de 26,9%.

As vendas de etanol em agosto de 2024 alcançaram 3,1 bi de litros, um aumento de 3,8% em relação ao mesmo mês da safra anterior. O etanol hidratado registrou um crescimento de 6,8%, com 1,9 bi de litros vendidos, enquanto o anidro teve uma ligeira queda de 1,0%, somando 1,1 bi de litros. Desde o início da safra, a comercialização de etanol totalizou 14,7 bi de litros, um aumento de 16,9%, com destaque para o hidratado, que cresceu 34,0%, enquanto o anidro apresentou uma queda de 5,2%. A comercialização do hidratado no mercado interno segue em alta há 12 meses, atingindo um nível superior ao de 2023. Entre 338 municípios analisados pela ANP (Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), 206 registraram preços do etanol abaixo da paridade com a gasolina. Nos estados de São Paulo, Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul, o etanol apresentou vantagem econômica sobre a gasolina, o que reforça as expectativas de manutenção do consumo do biocombustível.

No mercado de CBios, até 09/09 dados da B3 indicam que foram emitidos 28,7 mi de créditos, dos quais 28,6 mi estão disponíveis para negociação. Ao considerar os créditos já apresentados, o volume representa 83% da meta de descarbonização estabelecida para 2024.

O Itaú BBA projeta um crescimento de 25% na produção de etanol de milho no Brasil para a safra 2024/25, atingindo 7,8 bi de litros, com expectativa de um aumento de 11% em 2025/26, chegando a 8,7 bi de litros. O consumo de milho para essa produção deve alcançar 17,3 mi de t em 2024, representando 21,0% do consumo doméstico, e subir para 19,4 mi de t em 2025. Atualmente, o Brasil tem 21 usinas de etanol, sendo 11 exclusivamente de milho e 10 usinas flex. A próxima fronteira do setor deve ser a produção de etanol a partir do trigo, com três usinas em construção no Rio Grande do Sul.

O preço do etanol hidratado (já com impostos) no município de Ribeirão Preto (SP) estava em R$ 2,950/l em 18 de setembro, no fechamento da nossa coluna. Já o anidro estava em R$ 3,00/l. Ambos apresentaram uma leve alta semanal nos preços. Dados são da SCA Brasil.

Valor do ATR

Em agosto, o preço do Açúcar Total Recuperável (ATR), divulgado pelo Consecana, fechou o mês em R$ 1,1738/kg, 0,2% menor que julho. No histórico da safra 2024/25, seguem os preços médios mensais:  em abr/24, R$ 1,1879/kg; mai/24, R$ 1,1684/kg; jun/24, R$ 1,1635; jul/24, R$ 1,1759/kgç e agora em ago/24 fomos a R$ 1,1730/kg. No acumulado do ciclo, estamos em R$ 1,1701. Seguimos sugerindo um valor entre R$ 1,17/kg e R$ 1,19/kg, devido aos impactos na produtividade, pensando nos incêndios e secas severas no Centro Sul.

Para concluir, os cinco principais fatos para acompanhar em outubro na cadeia da cana:
 

  1. Impacto dos incêndios nos canaviaisna região Centro-Sul e a continuidade da seca na região. A mensuração das perdas é praticamente incerta até agora, mas algumas estimativas indicam entre 3 a 5% de redução na moagem. Muitas usinas seguem colhendo cana que foi queimada, matéria-prima que chega à indústria com qualidade inferior.
  2. Pensando já em 2025/26, importante acompanhar a previsão climática. Precisamos entender se as chuvas torrenciais serão suficientes para “recuperar” áreas de canavialqueimado, o que, a depender dos volumes, pode afetar também a produtividade do próximo ciclo.
  3. No açúcar, a recente alta nos preços, baseada nos fatores citados anteriormente, deve se manter ao menos até termos mais clareza da moagem no Brasil.
  4. O preço do petróleo acumulou quedas no último mês com as preocupações com a economia dos Estados Unidos; mas voltou a crescer nos últimos 5 dias, com as novas tensões no Oriente Médio. No fechamento da nossa coluna, o WTI Crude estava em US$ 72,35/barril (+0,6%/mês) e o Brent estava em US$ 74,86/barril (-0,8%).
  5. Por fim, vamos seguir acompanhando as vendas do etanolno mercado interno. O consumo vem vindo firme e pode ajudar em preços no final da safra.

Marcos Fava Neves
Professor Titular (em tempo parcial) das Faculdades de Administração da USP (Ribeirão Preto–SP) da FGV (São Paulo–SP) e da Harven Agribusiness School (Ribeirão Preto–SP). É especialista em Planejamento Estratégico do Agronegócio.

Vinícius Cambaúva
Associado na Markestrat Group e professor na Harven Agribusiness School, em Ribeirão Preto–SP. Engenheiro Agrônomo pela FCAV/UNESP, mestre e doutorando em Administração pela FEA-RP/USP. É especialista em comunicação estratégica no agro.

Beatriz Papa Casagrande
Consultora na Markestrat Group, aluna de mestrado em Administração de Organizações na FEA-RP/USP e especialista em inteligência de mercado para o agronegócio.

Do site: Udop