Setor de energia no Brasil: o balanço de 2014
09-12-2014

O setor de energia no Brasil no ano de 2014 foi marcado pela gestação de uma agenda extremamente negativa, que terá que ser revertida nos próximos anos, sob pena de o país jogar fora um dos seus principais salvo-condutos para o futuro que é sua generosa dotação energética.

A Copa do Mundo, no primeiro semestre, e o processo eleitoral, no segundo, postergaram decisões importantes para o enfrentamento adequado de problemas antigos e novos, acumulando um enorme conjunto de problemas tanto no setor elétrico quanto no setor de óleo e gás para 2015.


Setor de Petróleo e Gás: Um ano difícil e com incertezas crescentes

O ano de 2014 foi marcado por alguns resultados operacionais bastante positivos para a Petrobras. A empresa conseguiu reverter a dúvida que pairava sobre sua capacidade de efetivamente entregar um aumento da produção de petróleo. Entre janeiro e outubro de 2014, a empresa conseguiu aumentar sua produção de petróleo em cerca de 10%. Neste ano, o primeiro módulo da refinaria de Pernambuco (Rnest) entrou em operação. Entretanto, estes resultados operacionais foram totalmente ofuscados pela revelação dos esquemas de corrupção e desvio de recursos.

A Petrobras enfrenta talvez a pior crise institucional e de governança da sua história. A revelação das entranhas enfermas de sua governança coloca em xeque todo o patrimônio de credibilidade da empresa com seus parceiros, fornecedores e credores. Os escândalos de corrupção colocaram em xeque não apenas a credibilidade da empresa, mas empurraram a empresa para uma possível crise financeira. A não divulgação de um balanço auditado no terceiro trimestre de 2014 ameaça a sua capacidade de levantar recursos no mercado para financiar o maior programa de investimento corporativo do mundo, e de rolar uma dívida que já ultrapassa o patamar de 100 bilhões de dólares. Quanto maior for o tempo para divulgar um novo balanço corrigido e auditado, mais complicada fica a situação financeira da empresa.

Mesmo antes de estourar a crise institucional na empresa, já havia sinais muito claros de que a trajetória econômico-financeira da Petrobras era desafiadora. O endividamento da empresa continuou numa trajetória ascendente em 2014. Em junho de 2014, a dívida da Petrobras atingiu 112 bilhões de dólares, um valor 17% maior do que o de junho de 2013. Enquanto os investimentos continuaram num patamar elevado, permaneceu a sangria dos cofres da Petrobras para segurar os preços dos derivados e evitar o aumento da inflação. Até agosto de 2014, as perdas com as importações de derivados atingiram cerca de R$ 3,7 bilhões.

A redução dos preços do petróleo a partir de outubro de 2014 contribuiu para aliviar as perdas com importações de derivados. Entretanto, preços mais baixos no mercado internacional implicou queda das receitas com exportações e impõe uma nova realidade para a perspectiva de futuros reajustes de preços dos derivados no mercado doméstico. Ou seja, para quem tem que levantar recursos próprios para investir mais de 200 bilhões de dólares nos próximos 4 anos, a queda dos preços do petróleo não é uma boa notícia.

A situação financeira desafiadora e a crise de governança da empresa afetaram fortemente a cotação das ações da empresa em 2014. Além de muita volatilidade em função das turbulências associadas à eleição e à gestão da empresa, o valor caiu de um patamar em torno dos R$20,00 por ação preferencial em janeiro de 2014 para cerca de R$12,00 em dezembro 2014. Ressalte-se ainda que a agência de classificação de risco Moody´s rebaixou o rating global em moeda estrangeira e local da Petrobras de Baa1 para Baa2 e manteve a perspectiva negativa.

A crise da Petrobras trouxe implicações para o conjunto do segmento de óleo e gás no Brasil. O contexto desafiador levou a empresa a endurecer a negociação com os fornecedores e a priorizar os segmentos com maior impacto para o seu fluxo de caixa. Como resultado deste processo, observou-se uma redução do nível de atividade no segmento de exploração. O número de sondas em operação no país caiu em 2014. O mesmo aconteceu com o número de poços perfurados.

Esta redução da atividade exploratória foi mais flagrante no segmento onshore. Neste segmento, por um lado, observa-se a redução dos esforços da Petrobras, que vem concentrando seus esforços no Pré-sal; por outro lado, as empresas independentes enfrentam crescentes dificuldades de promover seus investimentos.

O ano de 2014 no segmento onshore foi marcado pela consolidação de um processo judicialização que está colocando em xeque os contratos da décima segunda rodada de licitações realizada em 2013. Em junho de 2014, o Ministério Público Federal (MPF) do Paraná suspendeu na Justiça Federal o efeito da licitação de 11 áreas da 12ª rodada. As atividades foram então suspensas até a realização de estudos técnicos que demonstrem a viabilidade, ou não, do uso da técnica do fraturamento hidráulico no Brasil, com prévia regulamentação do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). O mesmo ocorreu em novembro na Bahia onde os contratos da 12a rodada foram suspensos de forma liminar.

A crescente judicialização da exploração de gás em terra dificulta ainda mais o financiamento das campanhas de exploração por empresas independentes brasileiras que detêm a maior parte das áreas exploratórias concedidas. Após os problemas financeiros da OGX e da HRT, tornou-se extremamente desafiador levantar equity no mercado doméstico e internacional para investimento em exploração no país. Soma-se a isto, o fato de outros países da região como o México e a Argentina estarem promovendo reformas para atrair investidores internacionais para o segmento de exploração. Todos estes fatores contribuem para o enfraquecimento do nível de atividade exploratória no segmento terrestre no Brasil.

Apesar da produção de gás natural ter crescido cerca de 10% em 2014. A oferta doméstica para abastecer o mercado de gás natural no Brasil foi largamente insuficiente. Até setembro de 2014, as importações de gás natural superaram a oferta doméstica. Ou seja, continua aumentando a dependência externa de gás em função do crescente despacho termelétrico. Vale ressaltar que o crescimento do mercado de gás natural em 2014 ficou concentrado no segmento termelétrico. Até setembro de 2014, o segmento industrial e GNV cresceram apenas 3,4%, o mercado termelétrico cresceu 8,5%.


Setor de Energia Elétrica: Crise de múltiplas dimensões

O ano de 2014 foi crítico para o setor elétrico brasileiro. Nesse ano, em que foram completados 10 anos do modelo elétrico vigente, o setor sofreu uma crise de múltiplas dimensões. O ano se encerrará com os reservatórios vazios, com níveis inferiores aos que motivaram o racionamento de 2001, e preços de curto prazo (PLD) próximos ao seu teto.

O GEE realizou simulações para dois cenários para avaliar a possibilidade de o Brasil enfrentar desabastecimento elétrico nos próximos doze meses. No cenário otimista, no qual não há atraso no cronograma de entrada de novas centrais, é necessário que a hidrologia seja superior a 79% da média de longo prazo (MLT) para que o nível dos reservatórios do Sudeste/Centro-Oeste seja superior a 10% em novembro de 2015 (esse é o nível mínimo de segurança para a operação do parque gerador hidrelétrico da região). Considerando o histórico de hidrologia, isso não ocorreu em 9% dos anos. No cenário pessimista, em que há atraso da entrada de novas centrais, a hidrologia necessária passa para 86% da MLT, o que não ocorreu em 26% dos anos. Ou seja, é fundamental cumprir o cronograma de entrada de centrais, que é concentrado em projetos eólicos, para não depender excessivamente das condições hidrológicas.

A dimensão mais dramática da crise elétrica até aqui foi a econômica. A operação contínua do parque termelétrico de elevado custo operacional, planejado para ser acionado apenas em curtos períodos, e os elevados preços de curto prazo da energia desestruturaram os fluxos financeiros do setor, já que a receita dos agentes não acompanhou a explosão de custos. O déficit de remuneração, considerando valores conservadores, já soma R$ 60 bilhões. Nesse cálculo, são considerados os custos represados de distribuidoras em função do despacho termelétrico e da exposição involuntária no mercado de curto prazo, resultante da não adesão de geradores à antecipação da renovação de suas concessões, e os custos das geradoras hidrelétricas que recorrem ao mercado de curto prazo em função da redução de garantia física motivada pela seca. Enquanto que o repasse do déficit das distribuidoras é assegurado via reajustes tarifários e empréstimos da CCEE, o déficit das geradoras não é passageiro, na medida em que o seu repasse não está dado.

O problema do mercado livre não tem sido tão enfatizado, pois é menos transparente, mas também é grave. Como o segmento opera com contratos de prazo mais curto, a transmissão dos preços elevados do curto prazo é mais rápida. Estimamos, a partir dos dados publicados pela CCEE, que cerca da metade da energia transacionada no mercado livre está sendo renegociada durante um período de preços elevados e falta de liquidez (entre 2013 e 2015). Consumidores eletrointensivos, que têm na energia elétrica um dos principais componentes de custo, têm sua competitividade comprometida ao pagarem preços tão elevados. Nesse cenário, alguns optam por reduzir ou paralisar suas atividades. É preciso salientar que mesmo consumidores contratados podem optar por essa estratégia, abrindo mão da produção para vender a energia no mercado. Esse comportamento explica a redução de consumo dos segmentos eletrointensivos, já abordada em postagens anteriores, que foi importante para evitar que os reservatórios estivessem em níveis ainda mais críticos nesse momento.

Além desses problemas emergenciais, há questões estruturais que determinaram a crise atual. Há uma clara inadequação do parque gerador em relação às características do setor elétrico brasileiro. Os leilões do mercado regulado balizados pelo índice custo benefício (ICB) selecionaram um parque termelétrico com viés para a flexibilidade de operação, com custos fixos baixos, mas custos variáveis extremamente elevados. Algumas térmicas têm custos de operação superiores a R$ 1.000/MWh. A perspectiva era que o papel das termelétricas seria complementar e sua operação muito pouco frequente. Como as térmicas foram operadas continuamente nos últimos anos, o custo resultante foi insustentável.

A outra questão estrutural é a dificuldade da atual trajetória de expansão. A continuidade da exploração das hidrelétricas na Amazônia está condicionada por fortes restrições ambientais, que implicam em incertezas no cronograma de obras, na intermitência produtiva (regime em fio d´água) e custos mais elevados. A flexibilidade e as condições de suprimento de combustível (lastro) exigidas de termelétricas nos leilões implicam em soluções mais caras, principalmente através de GNL contratado no mercado spot. Por outro lado, o paradigma de financiamento setorial está em cheque a partir das consequências da MP 579 e da crise hídrica sobre a Eletrobrás. A empresa acumula prejuízo de R$ 15 bilhões nos últimos três anos. Dificilmente a empresa será capaz de desempenhar o papel de estruturar a expansão, principalmente em projetos de grande porte, como vinha fazendo no passado. As consequências dessas dificuldades foram evidentes no leilão A - 5 de 27 de novembro. O preço médio do leilão foi próximo a R$ 200/MWh; valor bem acima dos leilões anteriores.


Desafios de 2015

O ano de 2015 será um ano de grandes desafios para o setor energético nacional. Será necessário recuperar o tempo perdido em 2014 com a postergação de decisões importantes de política energética em função do calendário eleitoral.

Em particular, é urgente rever a governança da Petrobras para resgatar a credibilidade da empresa diante dos seus parceiros, fornecedores e investidores. Para isto, será necessário estabelecer um contexto de maior transparência das decisões da empresa e maior autonomia de gestão empresarial. Para tanto, o enfrentamento da questão da política de preços para os combustíveis no país é fundamental. Enquanto o caixa da empresa for utilizado para promover política anti-inflacionária será muito difícil recuperar sua credibilidade no mercado de capitais.

É fundamental ainda viabilizar uma trajetória de sustentabilidade financeira para os investimentos da Petrobras. Caminhar no fio da navalha não parece ser uma estratégia adequada para os momentos de maior instabilidade com a mudança na governança da empresa e com a maior volatilidade que se descortina no mercado internacional de petróleo.

A evolução do mercado de gás em 2014 deixou claro que é fundamental uma política para mudar a trajetória de dependência de importações e falta de competitividade para o gás no mercado não-termelétrico.

No setor elétrico, o ano de 2015 vai iniciar com duas novidades que contribuem para atenuar o quadro de crise, as bandeiras tarifárias e o teto reduzido do PLD. As bandeiras tarifárias passam a oferecer um sinal de escassez mais imediato aos consumidores de eletricidade. Ainda é cedo para saber qual será o efeito desses sinais no consumo, principalmente no segmento residencial. O racionamento de 2001 mostrou que há boa capacidade de resposta nesse segmento, mas o sinal da bandeira pode não ser suficiente. A redução do teto do PLD de R$ 822/MWh para R$ 388/MWh diminui as consequências da exposição ao mercado de curto prazo. Mas, é claro que existem efeitos colaterais. A literatura internacional indica que preços tetos baixos tendem a desestimular a expansão da capacidade de geração. Os pagamentos compensatórios para remunerar as centrais marginais, via Encargo de Serviços do Sistema - ESS, vão aumentar significativamente, já que somente 4% da capacidade de geração termelétrica tem custo variável superior a R$ 822/MWh e 25% tem custo maior que R$ 388/MWh. Por outro lado, perde-se a intensidade do sinal de preços para consumidores no mercado livre.

Ainda que essas questões emergenciais sejam equacionadas, e uma hidrologia favorável pode contribuir para esse fim, há problemas estruturais que também precisam ser enfrentados. É preciso reestruturar o setor elétrico para lidar com os novos paradigmas de sua operação e expansão.

Edmar de Almeida e Luciano Losekann