TJ-SP autoriza penhora de insumos de companhia em recuperação judicial
08-05-2018

Uma empresa em recuperação judicial pode ter a sua matéria-prima penhorada ou alienada mesmo antes de se esgotar o chamado período de blindagem - prazo de 180 dias, contados do início do processo de recuperação, em que ficam suspensas as ações de cobrança dos credores. Esse foi o entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) ao determinar que a Abengoa Bioenergia Brasil entregue parte da sua produção de cana-de-açúcar como pagamento de uma dívida de mais de R$ 15 milhões.

A ação de cobrança foi movida pelo fundo americano Amerra Capital Management, que não participa do processo de recuperação da Abengoa. O contrato firmado entre eles têm cláusula de alienação fiduciária. Nessa modalidade, o devedor transfere a propriedade dos seus bens para o credor como garantia do pagamento e tais bens só voltam para o seu nome depois de a dívida estar totalmente quitada.

A Lei de Recuperação Judicial e Falências (nº 11.101, de 2005) exclui credores com esse tipo de garantia dos processos. Ou seja, eles não participam do plano de pagamento aos demais credores da empresa e também não estão sujeitos aos 180 dias de blindagem. Há exceção, no entanto, quando o bem dado em garantia é considerado como bem de capital essencial à atividade da companhia.

Consta no artigo 49 que, nesses casos, os bens não poderão ser retirados dos estabelecimentos. Esse é um argumento comumente usado pelas empresas para barrar a penhora ou a alienação de seus produtos, imóveis e equipamentos oferecidos para garantir empréstimos com bancos e fundos de investimentos - os principais detentores das garantias fiduciárias.

No processo da Abengoa, por exemplo, a justificativa é a de que a cana-de-açúcar é a sua principal matéria-prima e que sem ela não há atividade empresarial. A penhora do produto representa "grande risco ao sucesso do processo recuperatório".

A discussão envolve a safra atual, que começa a ser colhida em junho. A Abengoa deu cerca de 520 mil toneladas de cana e de açúcar em garantia ao empréstimo com o fundo americano, o que representa 13% do total da sua produção.

A 2ª Câmara de Direito Empresarial do TJ-SP, que analisou o caso, não discutiu apenas a essencialidade do bem à atividade da empresa - como geralmente ocorre nos julgamentos sobre esse tema. O que pesou na decisão, desta vez, é se o bem em discussão poderia ou não ser considerado como bem de capital.

E, para eles, a matéria-prima não pode ser considerada. Por esse motivo, não está contemplada pelo artigo 49 da lei e, sendo assim, não haveria impedimento à execução contra a Abengoa - mesmo durante o período de 180 dias de blindagem. A situação, ainda segundo os desembargadores, é diferente dos casos em que há imóveis ou maquinário envolvido e que, se retirados das empresas, podem paralisar as atividades.

O relator, desembargador José Araldo da Costa Telles, levou em conta, no seu voto, o fato de que a Abengoa enfrentará dificuldades com a retirada da matéria-prima, mas ponderou que há alternativa para manter a atividade. "O mercado pode oferecer produto similar, ainda que mais distante e por preço diferenciado", afirmou.

Ele acrescentou ainda que ao oferecer os bens como garantia, essa questão deveria ter sido considerada pela empresa. O entendimento foi seguido pelos demais desembargadores (processo nº 2012974-11.2018.8.26.0000).

Essa decisão, segundo advogados, é "um banho de água fria" para as empresas que atuam no agronegócio. Especialmente porque, na maioria dos casos, a matéria-prima que produzem corresponde a mais da metade da riqueza gerada.

Para os credores, por outro lado, traz alívio. Representante do Amerra Capital Management no caso, Fernando Bilotti Ferreira, do Santos Neto Advogados, diz que, na maioria das vezes, além de negar a retirada dos bens, os juízes deixavam os credores sem respostas. "Não falam por quanto tempo o bem não pode ser retirado, nem como o credor vai ser pago."

Ele entende que, nesse caso da Abengoa, a decisão deveria ser mantida - em favor da execução - mesmo se a análise dos desembargadores ficasse restrita à essencialidade dos bens para a companhia. Para o advogado, aquilo que se produz para vender, como a cana-de-açúcar, não pode ser considerado como essencial.

"É diferente de uma máquina, por exemplo, que transforma a cana-de-açúcar em álcool ou em açúcar. É um maquinário pesado, caro e de difícil remoção. Se tirar da usina, ela para", diz Ferreira.

Especialista na área, Taísa de Oliveira, do KLA Advogados, acredita que, apesar de a matéria-prima não ser considerada como bem de capital essencial, os tribunais devem reconsiderar a permissão para a penhora nos casos em que a execução envolve 100% dos produtos utilizados pela empresa. "Porque o princípio que rege a recuperação é o princípio da preservação da empresa. O juiz sempre vai pensar no macro e não no interesse de um credor isolado", entende.

Para a advogada, em uma situação como essa, os tribunais tenderiam a uma solução intermediária - algo que não prejudicasse os demais credores e que não gerasse risco de falência à empresa em recuperação.

Ela diz, por outro lado, que percebe uma tendência do Judiciário em valorizar a alienação fiduciária. Já existem decisões, por exemplo, permitindo a execução - também durante o período de blindagem - de recebíveis e fluxo de caixa de empresas em recuperação judicial.

Uma delas foi julgada pela 1ª Câmara de Direito Empresarial do TJ-SP (processo nº 2273783-85.2015.8.26.0000). A companhia em recuperação alegava que não conseguiria arcar com os salários dos funcionários se a execução fosse adiante. Para os desembargadores, porém, mesmo que imprescindível para o desenvolvimento da empresa, o crédito cedido fiduciariamente não poderia ser considerado como bem de capital.

"Compreendo perfeitamente a difícil situação financeira da empresa, mas o suprimento de necessidades prementes de capital para pagamento de salários não pode ser feito mediante o esvaziamento dos direitos creditórios objeto de garantia fiduciária", afirmou, na ocasião, o relator do caso, desembargador Francisco Loureiro.

Procurados pelo Valor, os advogados da Abengoa não deram retorno até o fechamento da edição. A companhia ainda pode recorrer da decisão.