USP cria primeira registradora de créditos de carbono do país e impulsiona mercado nacional
16-10-2025

Plataforma da RCGI-USP reduz custos, encurta prazos e adota metodologias voltadas à realidade brasileira, fortalecendo a confiança no setor
Por Andréia Vital
Empresas brasileiras que precisam compensar emissões de CO₂ ou desejam gerar créditos de carbono passam a contar com uma nova infraestrutura nacional. A Universidade de São Paulo (USP), por meio do Centro de Pesquisa e Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI), lançou a RCGI-USP Carbon Registry, a primeira registradora brasileira de créditos de carbono. Até então, companhias interessadas nesse mercado dependiam de plataformas estrangeiras, com custos em dólar e regras pouco adaptadas à realidade local.
Segundo o diretor científico do RCGI-USP, Julio Meneghini, a nova iniciativa alia ciência e interesse público em um modelo que promete ampliar a credibilidade dos créditos de carbono no Brasil.
“Uma registradora de carbono se torna mais robusta quando combina dois elementos essenciais: ciência e interesse público — e é isso que a USP traz para o processo. A RCGI-USP Carbon Registry já nasce com metodologias próprias, continuamente auditadas, capazes de fortalecer a integridade dos créditos brasileiros e alinhá-los às melhores práticas internacionais”, afirma Meneghini.
Como funciona uma registradora
A função de uma registradora é validar, emitir e acompanhar cada crédito de carbono, assegurando que ele seja único, rastreável e verificável. Sem o registro, o crédito simplesmente não existe — nem para quem busca cumprir metas de descarbonização, nem para quem pretende comercializar seus resultados ambientais.
O processo envolve cinco atores principais: o proponente e o desenvolvedor do projeto, o verificador independente (responsável pela auditoria), a registradora (encarregada da validação e rastreabilidade) e os compradores e vendedores.
É justamente nesse ponto que a RCGI-USP Carbon Registry se diferencia, oferecendo um modelo inédito no país e um novo patamar de transparência e eficiência para o mercado brasileiro de carbono.
O que muda para as empresas
A nova registradora é a primeira vinculada a uma universidade pública, o que garante independência acadêmica, neutralidade e rigor técnico. Suas metodologias foram desenhadas para contemplar as particularidades da indústria e dos biomas brasileiros — Amazônia, Cerrado, Caatinga, Pantanal e Mata Atlântica — sem abrir mão do alinhamento a padrões internacionais, como os da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC).
Esse modelo deve contribuir diretamente para valorizar os créditos gerados no país.
A redução de barreiras de entrada também é um diferencial. A registradora cobra em reais, oferece prazos de análise de até 90 dias — bem inferiores aos até 12 meses das plataformas estrangeiras — e adota custos mais acessíveis. Além do registro de créditos, a plataforma disponibiliza suporte para elaboração de inventários de emissões de gases de efeito estufa, conforme o padrão internacional GHG Protocol.
Micro e pequenas empresas podem utilizar um sistema autodeclaratório simples e guiado, enquanto grandes companhias contam com apoio técnico especializado, incluindo a mensuração de emissões indiretas.
Outro destaque é o modelo CCB-SS (Clima, Comunidade, Biodiversidade, Ciência & Social), que torna obrigatória a destinação de parte dos créditos a um fundo voltado ao financiamento de projetos científicos, sociais e de preservação ambiental.
A operação da RCGI-USP Carbon Registry será conduzida por uma startup com DNA USP, enquanto a Universidade permanecerá responsável pelo desenvolvimento e validação científica das metodologias. Todo o processo passará por auditoria de um comitê técnico independente, coordenado pelo próprio RCGI-USP, assegurando rigor e transparência em cada etapa.
Esse compromisso com a integridade se apoia na trajetória do RCGI-USP, criado em 2015 e reconhecido como um dos principais centros brasileiros de pesquisa em transição energética. Reunindo cerca de 800 pesquisadores, o centro desenvolve dezenas de projetos que vão desde soluções baseadas na natureza e captura de carbono até a produção de hidrogênio a partir de etanol e metanol verde derivado do CO₂ — iniciativas que já renderam reconhecimento internacional.
Fortalecimento do mercado nacional
O mercado de carbono no Brasil opera atualmente de forma voluntária, permitindo que empresas mantenham inventários e compensem emissões por conta própria. Segundo o Banco Mundial (2023), o país respondeu por quase metade dos créditos emitidos na América Latina e Caribe entre 2005 e 2023 — cerca de 314 milhões de tCO₂e.
Apesar desse protagonismo, os preços médios dos créditos ainda estão abaixo do necessário para impulsionar novos projetos de baixo carbono.
O relatório também aponta desafios que comprometem o valor dos créditos na região, como dúvidas sobre a integridade de projetos florestais e REDD+ (redução de emissões por desmatamento e degradação florestal). Questões como leakage (deslocamento do desmatamento), não permanência (reliberação do carbono estocado) e falhas em sistemas de monitoramento, reporte e verificação (MRV) têm prejudicado a credibilidade e pressionado preços.
É diante desse cenário que surge a RCGI-USP Carbon Registry. Com metodologias auditadas e adaptadas ao contexto brasileiro, a iniciativa busca elevar o padrão de integridade, reforçar a confiança no mercado voluntário e preparar o país para o mercado regulado.
De acordo com o desenho do SBCE (Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões), empresas que emitam acima de 10 mil tCO₂e/ano deverão monitorar e reportar suas emissões; aquelas acima de 25 mil tCO₂e/ano também precisarão entregar cotas equivalentes às suas emissões.