Valorização do etanol pode superar a do açúcar em 2022, avalia economista
18-02-2022

Para Haroldo Torres, do Pecege, biocombustível deve ganhar espaço no mercado diante o encarecimento do petróleo

Por: Delcy MAC Cruz

As chuvas que desde outubro caem em regiões canavieiras certamente irão refletir positivamente na oferta da matéria-prima para a safra 2022/23, que começa em abril na região Centro-Sul.  

Estimativa do Programa de Educação Continuada em Economia e Gestão de Empresas (Pecege) é de que a oferta de cana chegue a 550 milhões de toneladas, alta de 30 milhões sobre sobre o ciclo em fase final.  

Tem mais: em 2022, o etanol possui condições de sobra para superar em valorização o açúcar, afirma, em entrevista ao Energia Que Fala Com Você, o economista Haroldo Torres, da Esalq/USP e gestor de projetos do Pecege.  

O Pecege apresenta projeção conservadora, diante outras já apresentadas, sobre a moagem de cana na 22/23, para quem deve ficar em 550 milhões de toneladas no Centro-Sul. Trata-se de alta de quase 30 milhões de toneladas na comparação com a 21/22. É possível detalhar projeções para o etanol hidratado e para o anidro?  

Haroldo Torres – Sim. A partir do quadro de projeções [publicado neste conteúdo], é possível que haja avanço na produção do anidro e do hidratado. Nossa visão no Pecege é de que haverá aumento ligeiro de 2,64% do mix [de produção], direcionando-se para o etanol.  

Por que o etanol deve avançar no mix? 

Haroldo Torres – Porque neste momento [última semana de janeiro] acreditamos que o etanol tende a apresentar margem superior ao do açúcar em termos médios ao longo da safra. Ou seja, o retorno esperado proporcionado pelo etanol deverá superar o açúcar na destinação da matéria-prima na safra 22/23.  

Qual a explicação?  

Haroldo Torres – Até agora [janeiro de 22], seja o petróleo WTI ou o Brent, eles atingiram a máxima em oito anos, superando a marca de US$ 86 o barril pela primeira vez desde 2014. Isso é consequência principalmente dos conflitos geopolíticos envolvendo, por exemplo, os ataques com drones nos Emirados Árabes Unidos e, depois, a tensão entre Rússia e Ucrânia e a série de protestos violentos no Cazaquistão.  

Vem daí a elevação do preço do petróleo?  

Haroldo Torres – Tudo isso gera uma série de incertezas em relação especificamente à oferta de petróleo. E daí vemos o preço do barril tão elevado.  

Se eu junto o preço do petróleo elevado do outro lado do mundo com o câmbio desvalorizado no Brasil, no caso o real, isso implica num preço de paridade de importação extremamente elevado. Espera-se que a Petrobras repasse para o diesel e para a gasolina e, consequentemente, o etanol ganha espaço.  

Comente mais a respeito desta possibilidade de o etanol ganhar espaço.  

Haroldo Torres – O que vemos é que o etanol anidro continua com sua crescente participação. Ou seja, ele tem essa expansão, saindo de 10,6 para 11,19 bilhões de litros [veja o quadro], mas o hidratado também ganha competitividade. Isso porque teremos aumento de produção.  

Nossa visão é a de que a elevada demanda do anidro sobre o hidratado continuará. Mas o hidratado irá recuperar um pouco o que perdeu ao longo de 2021. Em janeiro último, por exemplo, vimos ele cair de preço porque a demanda caiu muito.  

No caso do anidro e do hidratado, a tendência, então, é de preços positivos?  

Haroldo Torres – Sim, mas há um se, um condicionante. Quando falamos em câmbio desvalorizado e preços do petróleo extremamente elevados, estimo que a Petrobras vá adotar a política de paridade de importação (PPI) e isso implica aumento de preço da gasolina e do diesel. E significa, no entanto, aumento da inflação.  

Neste momento [fim de janeiro], observamos o governo se movimentando e alegando as questões relacionadas aos combustíveis [caso da PEC dos combustíveis] com dois vieses: um tentando com que os governadores reduzam o ICMS de forma temporária e, dois, tentando até mesmo zerar os impostos federais sobre a gasolina. Ou seja, o governo adota medida paliativa, não é estrutural, não resolve o problema.  

Quais as consequências?  

Haroldo Torres – Gera enorme impacto fiscal e, ao fazer isso, irá afugentar o investidor e desvalorizar ainda mais o câmbio. Mais: se o benefício fiscal for exclusivo para a gasolina, o etanol, em especial o hidratado, poderá perder competitividade.  Por isso, a tabela do Pecege [que ilustra esta entrevista] tem projeções considerando que a PEC dos combustíveis não irá passar.  

 

O que deve ocorrer com o açúcar 

O açúcar segue demandado no mercado internacional? Sendo assim, empresas produtoras brasileiras que ainda não fixaram (venderam antecipadamente via bolsa), devem correr para fazer isso?  

Haroldo Torres – Se olharmos especificamente para o mês de dezembro de 2021, praticamente 50% do açúcar que deve ser exportado pelo Brasil na safra 2022/23, que começa em abril, já estavam hedgeados (fixados) pelas usinas.  

Se formos comparar com o volume hedgeado em dezembro de 2020, a parcela fixada em dezembro passado é menor. Isso porque em dezembro de 2020 as usinas tinham fixado cerca de 70% das exportações do adoçante de 21/22.  

O que explica essa redução de açúcar fixado? 

Haroldo Torres – Vários fatores explicam essa redução. Entre eles está a potencial valorização do etanol no mercado doméstico. Garante uma margem maior, em especial o etanol anidro. Tem aí outro ponto interessante. Comparei dezembro de 2020 com igual mês de 2021, mas comparemos agora as cotações do açúcar em janeiro de 22 e em dezembro de 21. Vimos aí um recuo, uma redução do preço do açúcar em centavos de dólar por libra-peso no mercado internacional.  

Qual o motivo?  

Haroldo Torres – As justificativas para esta redução vêm principalmente de alguns aspectos. Um deles é a previsão de aumento de moagem em função da recuperação da produtividade. Mas o clima não beneficiou apenas o Brasil, mas a Índia e a Tailândia, também produtores de açúcar.  

O que deve ocorrer? 

Haroldo Torres – Sendo assim, há a expectativa de maior produção nestes três países, os maiores fabricantes de açúcar. Isso tende a garantir uma boa oferta do produto durante o primeiro semestre de 2022.  

Falamos aqui em centavos de dólar por libra-peso. Porém, com o câmbio desvalorizado, que atualmente enfrentamos, e que não deve ceder, em reais por tonelada ainda recebemos excelentes níveis de preços para fixação pelas usinas. Portanto, não diria para as usinas se apressarem, mas para adotarem as estratégias corretas do ponto de vista de hedge, amarrando as pontas para aproveitar as oportunidades. Mas é preciso lembrar que existe uma excelente oportunidade para o etanol em 2022.  

Tendência para a bioeletricidade 

Gostaria de sua opinião sobre a bioeletricidade. Como ela  

pode ganhar mercado diante a concorrência de fontes crescentes (solar e eólica) que estão mais presentes no Mercado Livre? 

Haroldo Torres – Quero avaliar isso, mas primeiro vamos dar um passo para trás. Hoje, a exportação de bioeletricidade a partir da biomassa da cana é muito baixa. Temos um potencial gigantesco.  

Para aproveitar ao máximo essa potencialidade, é preciso estar atento a duas questões. Primeiro: melhoria da eficiência energética da própria usina, em relação ao consumo de vapor e de energia, isso porque algumas unidades produtoras são da década de 70, com baixa eficiência. É preciso primeiro que as usinas passem por uma evolução. 

A segunda questão é investir em expansão de caldeiras.  

Voltando à potencialidade da biomassa da cana, ela é uma fonte renovável. Já em relação às fontes solar e eólica, é preciso entender que elas são complementares.  

Como assim?  

Haroldo Torres – Não são substitutas ou concorrentes da bioeletricidade. Isso porque todas as fontes de energia, quando renováveis e não intermitentes, devem ser entendidas como complementares.  

Devem continuar agregando ao sistema. 

Isso é diversificação, gera estabilidade, reduz o risco, porém a eletricidade gerada a partir da cana é renovável. E é o melhor dos mundos agregar uma energia renovável à rede.   

Continue.  

Haroldo Torres – Assim, além do Brasil ter uma oportunidade dantesca de diversificar sua matriz energética, reduzindo a dependência das hidrelétricas, no setor sucroenergético também se pode produzir energia elétrica a partir do biogás.  

Ou seja, o biogás pode ser produzido a partir da biodigestão da vinhaça ou da torta de filtro.  

E isso [eletricidade do biogás] é uma oportunidade única para termos uma energia renovável e, consequentemente, pode reduzir a geração das termelétricas acionadas como em 2021, por conta da crise hídrica, e que elevaram as contas de luz.  

Melhor dizendo: pode-se contribuir mais, tirar mais palha do campo, gerar mais energia na usina com o aumento da eficiência.  

O que é preciso para gerar mais bioeletricidade? 

Haroldo Torres – É preciso uma sinalização clara do governo, um planejamento governamental que mostre as regras de mercado que sejam claras, previsíveis. Isso para incentivar as usinas a investirem nesses processos.  

Vejo um mar de oportunidades indo pelo biogás. Temos oportunidade, via biodigestão de vinhaça e da torta de filtro, de gerar o volume de biogás no Brasil que, segundo o Ministério de Minas e Energia, pode, até 2030, atingir 45 milhões de metros cúbicos. Isso equivale a duas vezes o volume médio de gás natural que importamos da Bolívia em 2019.  

Queria aproveitar e ter sua avaliação sobre os veículos elétricos e eletrificados (motores híbridos). O etanol não tende a perder espaço para os modelos movidos a eletricidade, que contam com pesado apelo de marketing? 

Haroldo Torres – Começo a responder com um preâmbulo. Quando vemos as montadoras, todas já anunciaram pesados investimentos para desenvolver veículos elétricos. E não apenas para modelos de luxo, mas para todos os segmentos.  

Esse engajamento mundial das montadoras não é à toa. Indiretamente, não se está aqui decretando ou vislumbrando o fim do veículo a combustão. Porém, pensamos e desenvolvemos uma solução com vistas à redução dos gases de efeito estufa (GEEs). É preciso dizer que o carro elétrico não necessariamente emite menos gases.  

Qual o motivo?  

Haroldo Torres – Eu preciso lembrar a origem da energia elétrica a ser utilizada para abastecer este veículo. Por isso, estudos mostram que o balanço ambiental do carro elétrico é terrível.  

Temos, neste momento, uma oportunidade única que é justamente o etanol, principalmente com o desenvolvimento da célula de combustível movida pelo biocombustível.  

Teremos esta solução que não será a única, mas uma das soluções. 

A seu ver, não existe, então, ameaça ao etanol? 

Haroldo Torres – Não vejo, neste momento, o elétrico como uma ameaça. Pelo contrário: cada país terá sua rota [de eletrificação]. No Brasil, uma das rotas é a célula de combustível a etanol. 

Precisamos do governo, dos fabricantes e da sociedade civil entenderem que os carros elétricos são o futuro. Só que este futuro estará condicionado a soluções locais.  

Continue, por favor.  

Haroldo Torres – No Brasil, quando falamos do elétrico e do famoso plug-in – que você carrega na tomada -, é preciso lembrar de algumas características. Uma delas é que o país não tem hoje infraestrutura para este processo.  

Precisamos, assim, entender que talvez o futuro no Brasil não seja o veículo elétrico puro, mas poderá ser híbrido movido a etanol.  

Ou seja, os modelos híbridos a etanol já estão disponíveis, a exemplo da Toyota, que já tem comercializado híbridos movidos a etanol.  

Já os elétricos puros tenho dúvidas se crescerão fortemente no Brasil ocupando espaço do etanol no curto espaço de tempo.  

Mas é uma questão que exige atenção.  

Fonte: Energia Que Fala Com Você