Venda direta do etanol esbarra na regulamentação de impostos
09-05-2019

Área de produção da usina da Agrovale, em Juazeiro, no norte da Bahia (Divulgação/Clas Comunicação e Marketing)
Área de produção da usina da Agrovale, em Juazeiro, no norte da Bahia (Divulgação/Clas Comunicação e Marketing)

Apesar de vitórias na Justiça, o movimento pela venda direta de etanol pelas usinas aos postos revendedores sem bandeira tem encontrado dificuldades para avançar devido a falta de regulamentação de impostos como o PIS, COFINS e ICMS.

Publicado por: Mário Bittencourt 

No Brasil, quem tem levantado a bandeira do tema são os usineiros do Nordeste, por meio do Sindicato da Indústria de Álcool dos Estados do Rio Grande do Norte, Ceará e Piauí (Sonal), enquanto as usinas do Centro-Sul fazem um movimento contrário.

Após acionar a Agência Nacional de Petróleo (ANP) e a União na Justiça Federal, a Sonal conseguiu há um mês uma liminar que considera ilegais os artigos 2º, VI e 6º da Resolução ANP 43/09 e 14, da Resolução ANP 41/13.

Esses artigos obrigam que a revenda do etanol seja realizada pelas distribuidoras, o que para o Sonal representa um monopólio que precisa ser quebrado em prol da livre concorrência, a qual, consequentemente, trará benefícios ao consumidor final, segundo a entidade.

A ANP demostra não oferecer resistência à Sonal no quesito livre concorrência nem no que se refere à qualidade ou problemas de abastecimento do etanol, mas informou ao blog nesta terça-feira, dia 7,  que segue orientação do grupo de trabalho criado pela Portaria ANP Nº 357/2018, que recomendou que “só autorize a venda direta após ser equacionada a questão tributária do PIS/COFINS e ICMS”.

O juiz federal Eduardo Rocha, da 14ª Vara Federal do Distrito Federal e autor da decisão favorável ao Sonal, diz que “seja como for, no plano da extrafiscalidade, a Constituição brasileira apenas autoriza que o tributo seja utilizado como instrumento de estímulo ou desestímulo de atividade econômica, jamais como impedimento absoluto de sua realização”.

“O sistema tributário, portanto, deve adaptar-se à realidade, não o contrário”, observa o magistrado. “Por fim, cumpre analisar a compatibilidade entre a liberação da venda direta do etanol, enquanto expressão da livre iniciativa, e a defesa do consumidor, valor constitucional que igualmente integra a ordem econômica brasileira”.

O processo, atualmente, está no Tribunal Regional da 5ª Região (TRF5), onde ainda não há previsão de quando será julgado pelo tribunal pleno. Procurada para comentar sobre o assunto, a Advocacia Geral da União (AGU) informou que iria se manifestar, mas isso não ocorreu.

Estudo

A área tributária é a mais sensível na discussão sobre a viabilidade da venda direta, conforme a conclusão do grupo de trabalho da ANP, formado pela Secretaria de Acompanhamento Fiscal, Energia e Loteria (Sefel), Secretaria de Promoção de Produtividade e Advocacia da Concorrência (Seprac) e Receita Federal.

Na nota técnica, concluída em dezembro de 2018, a Sefel observa que no regime de tributação do PIS/COFINS o governo pode diminuir a alíquota por decreto, que está atualmente em R$ 0,13/litro nas usinas e R$ 0,13/ litro no distribuidor, totalizando R$0,24/ litro na cadeia do etanol.

Com a venda direta, uma das opções pensadas seria colocar toda a tributação no produtor, mas isso exige alteração legal, pois se faz necessário aumentar a alíquota do PIS/COFINS que incide sobre o produtor e está em seu valor máximo. Para o ICMS, seria necessário estabelecer a monofasia (união dos impostos), o que exige aprovação do Confaz, o Conselho Nacional de Política Fazendária, ligado ao Ministério da Economia.

Mas consultas preliminares da Sefel apontam que o Estado de São Paulo (um dos maiores produtores) é contra isso, pois tem a menor alíquota de ICMS entre os estados e para ser aprovado pelo Confaz teria de ser adotada a alíquota de maior valor.

Os interesses do estado de São Paulo são defendidos pela União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), que é contra a comercialização direta de etanol hidratado pelas usinas aos postos revendedores “porque dificulta a implementação do RenovaBio (Política Nacional de Biocombustíveis)”.

O programa tem como principal objetivo reduzir emissões de gases de efeito estufa no setor de transportes, expandindo a produção de biocombustíveis no Brasil, em linha com os compromissos ambientais assumidos no Acordo do Clima. O RenovaBio busca ampliar a porcentagem do etanol anidro (misturado à gasolina). Atualmente, a mistura é de 27% e com o projeto a ideia é ampliar para 40% até 2030, e assim reduzir no país a emissão de carbono total dos combustíveis líquidos.

Para a Unica, as distribuidoras são parte estratégica dessa política, pois terão que cumprir as metas de descarbonização por meio da compra e venda de Certificado de redução de emissões de carbono (Cbios).

Isso faz, na opinião da entidade, com que os renováveis aumentem sua participação na matriz de combustíveis no longo prazo, permitindo a melhoria contínua da qualidade do ar nas grandes metrópoles.

A Unica defende também mudança na estrutura tributária no País, já que a ausência do distribuidor exigirá mudanças na legislação que regula a cobrança deste tributo federal, concentrando a arrecadação no produtor (cerca de 360 usinas) ou repassando essa atribuição diretamente aos revendedores (mais de 40 mil postos).

Essa ausência da distribuidora também exigirá mudanças no regulamento do ICMS instituído pelos Estados. Além disso, a Unica diz que a atual legislação que regula a atividade de distribuição de combustíveis permite aos fornecedores abrirem suas próprias distribuidoras.

“Portanto, não é vedada ao produtor a venda ao varejo desde que constitua uma empresa distribuidora específica”, observou a entidade.

Atuação dupla

Para o empresário Renato Cunha, presidente do Sindaçúcar (representante das usinas) em Pernambuco e um dos principais entusiastas da proposta de venda direta, a atuação dupla como usina e distribuidora é o que faz muitos empresários do Centro Sul serem contra a proposta.

“Eles atuam lá com um grupo só. A realidade do Nordeste é outra, as usinas daqui têm mais necessidade de competitividade”, disse.

Segundo Cunha, “em muitos estados do Nordeste os postos estão localizados perto das usinas, de 3 a 10 km de distância, o que não faz sentido esse passeio do etanol até as distribuidoras e depois aos postos revendedores”.

Além da Justiça, o executivo confia também em projetos que tramitam no Congresso Nacional que buscam revogar as normas da ANP – os artigos da resolução 41/43, relatados na decisão que a Justiça Federal deu há um mês.

“Esperamos que se instale um novo tempo para que o consumidor possa ter novas possibilidades. É uma necessidade para o reequilíbrio do setor no Nordeste”, afirmou Cunha, que evitou comentar sobre quanto à venda direta do etanol poderia resultar em redução do produto para o consumidor final. “Com certeza, vai ter uma redução”.

A opinião de Cunha é compartilhada pelo empresário Luiz Carlos Queiroga Cavalcante, presidente do Sindaçúcar na Bahia e diretor das usinas Santa Maria (em Medeiros Neto) e Santa Cruz (em Santa Cruz de Cabrália) – o estado ainda tem mais duas usinas, uma em Ibirapuã (extremo sul) e outra em Juazeiro (no norte).

“Com a venda direta, o preço do etanol pode ser reduzido pela questão dos fretes. Vendo para os postos da minha região, não preciso ir às bases [distribuidoras] e voltar”, disse. Na Bahia, as distribuidoras estão em Jequié (sudoeste), São Francisco do Conde (região Metropolitana de Salvador), Barreiras (oeste) e em Juazeiro.

De acordo com Cavalcante, mais de 60% da produção anual baiana de etanol, que varia de 250 a 280 milhões de litros, vai para São Francisco do Conde. Hoje, segundo o executivo, o etanol nas usinas da Bahia está sendo vendido por R$ 1,80 o hidratado e o anidro (misturado à gasolina) por R$ 2, sem impostos. O setor gera em torno de 5 mil empregos diretos.

Cavalcante informou que a produção da Bahia não dá para atender nem 20% do que consome – o restante é complementado com etanol de Goiás e Minas Gerais. E atualmente, ele diz, tem chegado etanol de milho importado dos Estados Unidos, contudo ele não soube dizer a quantia que já foi importada. “Estão prejudicando a produção da Bahia, deixando de gerar emprego, prejudicando o mercado”, reclamou.

Nesta quarta-feira, dia 8, a Companha Nacional de Abastecimento (Conab)anunciou que a produção nacional de etanol de milho é a nova aposta do mercado. Dos 30,3 bilhões de litros de etanol que serão produzidos nesta safra, 1,4 bilhão será produzido a partir do milho.

Produção

No Brasil, a produção de etanol está distribuída no Centro-Sul, concentrada em São Paulo, Goiás, Minas Gerais, Paraná, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, e no Nordeste em Alagoas, Pernambuco e Paraíba, principais produtores regionais.

O Centro-Sul responde por entre 87 e 91% da produção total de álcool e da área colhida, daí sua maior influência sobre o preço do produto. Os períodos de safra e entressafra diferem nas duas regiões: no Centro Sul, as safras iniciam em abril/maio e terminam em novembro/dezembro, e no Norte/Nordeste começa em setembro e termina em fevereiro/março.

O Brasil registrou oferta recorde de etanol na safra 2018/2019, com produção de 33,10 bilhões de litros, sendo 9,91 bilhões de litros de etanol anidro e 23,18 bilhões de litros de hidratado, conforme os dados consolidados da região Norte-Nordeste publicados pelo Ministério da Agricultura e do Centro-Sul pela Única.

 

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