Vinhaça do etanol vira produto de alto valor e oferece solução inédita para monitoramento hídrico
01-10-2025

Colheita de cana-de-açúcar. Witthaya Prasongsin/Gettyimages
Colheita de cana-de-açúcar. Witthaya Prasongsin/Gettyimages

A inovação oferece uma destinação sustentável para o resíduo da produção de etanol no Brasil, que gera até 15 litros de vinhaça por litro de combustível, mitigando seu impacto ambiental

Por Fábio Moitinho

Um estudo inédito no Brasil poderá elevar o status de um dos maiores poluentes da cadeia produtiva de cana-de-açúcar: a vinhaça. Este subproduto líquido é altamente corrosivo, possui baixo pH e alta demanda bioquímica de oxigênio (DBO), exigindo manejo adequado para evitar a contaminação de solos e águas.

Pesquisadores do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Nanotecnologia para Agricultura Sustentável (INCT NanoAgro) desenvolveram uma solução de nanotecnologia que não apenas resolve o problema ambiental, mas transforma o poluente em um produto de alto valor agregado.

A pesquisa inédita conseguiu converter a vinhaça em pontos de carbono (BioC-dots), nanomateriais com aplicações promissoras em diversas indústrias. Clique aqui e confira a publicação científica deste estudo.

A solução do problema não é por menos. A produção de etanol no Brasil, que supera os 30 bilhões de litros por safra, gera um desafio ambiental na mesma escala com a vinhaça. Com um volume que chega a 15 litros de vinhaça para cada litro de etanol produzido, a destinação sustentável do resíduo é fundamental.

Síntese verde e eficiência quântica

Esquema da transformação da vinhaça em BioC-dots

 Divulgação/INCT NanoAgro

A conversão da vinhaça em BioC-dots foi realizada através de um processo sustentável conhecido como síntese verde. Essa prática elimina ou reduz o uso de substâncias tóxicas, minimizando o impacto ambiental.

Os testes laboratoriais comprovaram a eficiência do processo, resultando em nanomateriais luminescentes com bom desempenho. Eles apresentaram um rendimento quântico entre 2,5% e 19%, um indicador que mede a eficácia da emissão de luz após a absorção de energia.

A estabilidade térmica dos materiais também foi confirmada, identificando grupos funcionais de superfície que lhes conferem propriedades únicas.

Aplicação inédita: sensores de íons metálicos

A aplicação mais promissora e inédita dos BioC-dots derivados da vinhaça reside na detecção de íons metálicos em ambientes aquosos. Os nanomateriais demonstraram eficácia como sensores de cobalto e zinco, atingindo limites de detecção de 13,57 e 18,22 mmol L⁻¹, respectivamente.

Esta capacidade abre novos caminhos para usos ambientais e industriais do resíduo, indo além das aplicações já conhecidas dos BioC-dots em áreas como energia e sistemas de liberação de fármacos.

O avanço, detalhado na publicação científica ACS Ômega, reforça o potencial brasileiro em unir nanotecnologia e sustentabilidade.

Monitoramento ambiental e segurança hídrica

A detecção de íons metálicos através dos BioC-dots tem implicações diretas e importantes para a saúde pública e para os ecossistemas, conforme explica o Prof. Dr. Adriano de Siqueira, líder do trabalho.

“Essa inovação nos permite monitorar e prevenir a contaminação de rios, lagos e águas subterrâneas, garantindo a saúde de ecossistemas e das populações; contribui para a segurança da água potável e industrial, identificando metais potencialmente tóxicos; [e] auxilia no controle de efluentes industriais,” destaca o pesquisador.

A tecnologia brasileira oferece, assim, uma ferramenta avançada para auxiliar empresas no cumprimento de normas ambientais rigorosas, além de dar suporte a pesquisas sobre a interação de metais em ecossistemas e o desenvolvimento de novas tecnologias de tratamento e remediação.

Protagonismo brasileiro com a nanotecnologia para o agro

O desenvolvimento dos BioC-dots está alinhado à missão do INCT NanoAgro de qualificar recursos humanos para promover avanços na fronteira do conhecimento em nanotecnologia para Agricultura Sustentável.

O Instituto, sediado no campus da Unesp, em Sorocaba (SP), trabalha no desenvolvimento de sistemas integrados que utilizam componentes da biodiversidade brasileira para aumentar a produtividade agrícola, sem negligenciar a segurança ambiental e a saúde humana.

A utilização de um resíduo poluente como a vinhaça para criar um sensor de alta tecnologia reafirma o papel de protagonismo do Brasil no cenário mundial da nanotecnologia aplicada ao agronegócio e ao meio ambiente, gerando valor econômico a partir de práticas circulares.

Fonte: Forbes